Vocês acreditam em Deus? Se a resposta for positiva, qual é o tamanho da fé de vocês? É moda se dizer ateu e culpar o religiosos por tudo. Antigamente, evocava-se os males da Inquisição da Igreja Católica. Hoje, a malhação do Judas se dá em cima dos evangélicos. Só que as pessoas se esquecem que as igrejas são feitas por homens e estes são dotados de livre arbítrio. Se, de vez em quando, um maluco apronta alguma, não é Deus que deve ser responsabilizado e, sim, o sujeito. Esta perseguição a religiosos faz, muitas vezes, as pessoas se esquecerem das coisas boas que a fé pode fazer pelos homens. Um dos melhores trabalhos feitos por religiões em geral é o de recuperação de viciados. Para largar um vício é necessário ter muita força de vontade e, consequentemente, fé de sobra. Uma não anda sem a outra. E é sobre fé e força de vontade que versa o ótimo filme A Prece, de Cédric Kahn.

Festival do Rio: CRÍTICA | Sem norte, ‘Não Me Toque’ é, fácil, um dos piores ganhadores do Urso de Ouro

A história tem como protagonista Thomas (Anthony Bajon), um adolescente viciado em heroína que é levado, contra a sua vontade, para uma casa, nas montanhas, onde vivem outros jovens que estão em recuperação de algum vício. Meninos para um lado, meninas para o outro. Esta é uma das primeiras coisas que lhe é dita ao chegar lá. Fora isto, ele é obrigado a deixar todos os seus pertences na administração e a cortar o cabelo. O tratamento é baseado na conversa, na amizade e na oração. Muita oração. Além disto, no primeiro mês, um recém-chegado não pode nunca permanecer sozinho. Esta pessoa é obrigada a estar sempre na companhia de um “irmão” que já está ali há mais tempo. Esta é a maneira encontrada para que os jovens tenham força de vontade, resistam e não caiam.

Festival do Rio: CRÍTICA | ‘Sem Rastros’ é o “Capitão Fantástico” da vida real

O início é difícil. Thomas sofre de crise de abstinência como qualquer pessoa que luta para largar um vício. Exibe sintomas de paranoia, briga com os colegas e com três semanas de internação pede para sair. Arruma sua coisas e vai embora. O filme acabaria aqui se ele não cruzasse o caminho de Sybille (Louise Grinberg), filha de um casal que mora na região. É ela que abre os olhos dele e o convence a voltar. Os olhos do jovem brilham, mas o encantamento é recíproco. Neste retorno, outro encantamento acontece: com a fé. Não sem antes tomar uma dura da Irmã Myriam (Hanna Schygulla), a fundadora da casa, que não vê força nas orações do rapaz. A partir daí ele passa a conviver bem com todos, a ser um exemplo para os mais novos e o seu coração viverá um dilema entre os dois encantamentos.

É inegável que o cineasta Cédric Kahn fez um longa-metragem sacro. O tempo todo ouvimos músicas religiosas, seja em cenas onde aqueles jovens aparecem reunidos, louvando ou se divertindo, em uma delas eles tocam violão como se estivessem no Rock in Rio; seja na trilha sonora que sublima alguns belos momentos da obra. Daí a acusar o filme de doutrinário, vai uma distância bem grande. Primeiro, porque fé não é obrigatoriamente algo religioso. Pode-se ter fé em muitas coisas. Segundo, porque, na realidade, doutrinação só ocorre quando quem a exerce tenta convencer o outro de que o seu ponto de vista é o correto. O que, sinceramente, não acontece aqui. Entre outras coisas, quando são apresentados depoimentos dos internos, não escutamos somente histórias de sucesso. E, vamos combinar uma coisa, quem quer doutrinar não conta derrotas.

Festival do Rio: CRÍTICA #2 | ‘Guerra Fria’ é uma obra-prima em que absolutamente tudo funciona

A Prece é, em todos os sentidos, um filme solar. Quase todas as cenas felizes, ao ar livre, são bastante claras. O sol brilha bastante. A escolha por este cenário, vamos escrever desta forma, serve para enfatizar o sucesso daqueles garotos na luta para mudarem de vida e se tornarem pessoas menos imperfeitas. Apenas uma ou outra tomada não possui este brilho, este é o caso da cena em que eles vão participar de um acampamento e Thomas é colocado a prova. Assim mesmo, ao término desta, o tal brilho ressurge luminoso. Solar também é a atuação de Anthony Bajon, ganhador do Urso de Prata de Melhor Ator, no Festival de Berlim. Ele está estupendo, com uma interpretação de muitas camadas, digna do prêmio que recebeu, diferentemente daquela outra película que levou a premiação principal.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

*Filme visto no 20º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: La Priere
Direção: Cédric Kahn
Elenco: Anthony Bajon, Louise Grinberg, Hanna Schygulla
País: França
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Duração: 107 minutos
Estreia: 08/11/2018
Classificação: a definir