– Oi amor.

– Oi meu lindo. Ligando para dizer que chego em casa por volta de 21h ok?

– Sem problema. Eu só vou chegar em casa lá pelas 20h30. Tenho compromisso no começo da noite.

– Então está ótimo.

– Sim, perfeito minha linda.

Desliga o telefone e volta apressadamente para a cama onde seus movimentos de preguiça parece um balé aquático com movimentos graciosos em uma clarabóia. Só lhe falta a água. Quando enfim se levanta, o balé da preguiça continua. Daria até ouvir uma música de fundo sem fazer o menor esforço. Moonlight Sonata do Beethoven. Só faltava a clarabóia e o luar.

Aquele café só para dar uma eletrizada no corpo e o elevador com aquele pessoal falsamente simpática ao amanhecer reclamando com classe de algo que sua camada de sorriso hipócrita esconde tão bem. É até convincente. Devil’s smile e você sai dando graças a deus por sair da companhia de pessoas tão simpáticas. Nesses casos não há problema algum em ser ateu.

O metrô… pelo menos lá cada um se isola em seu celular e pronto. Até chegar em seus destinos finais, cada um está isolado no meio da multidão. Percebo 3 ou 4 corredores do meu vagão e até rolou uma conversa fluente com eles enquanto caminhávamos para a prova. Velhos conhecidos de 8 minutos se despedem e aos poucos os corredores vão se aglomerando e as 7h é dada a largada. Ouvi alguma coisa como 18 mil inscritos para a corrida e eu devia terminar a prova em um pouco menos de uma hora. É dada a largada no centro histórico. Ruas estreitas e tinha-se que ter cuidado para não se acotovelar no meio da multidão. Não deu para acelerar como eu havia pensado. Eu estava espremido no meio da multidão. Quase trotando, aquela massa uniforme não se modificou muito no primeiro quilometro e me desconcentrei até. A solidão era imensa no meio daqueles 36 mil pés.

Quando a chuva começou a cair, a cabeça foi para outro lugar. Só faltava a clarabóia e o luar outra vez. Percebi que a massa já havia se dissolvido um pouco mais e assim já dava inclusive para tentar acelerar os passos. Ultrapassar alguém. Na verdade, só notei quando fui ultrapassado, daí fiz questão de ultrapassar o meu ultrapassador. Dai surgiu uma subida daquelas que fazem os ânimos descerem. Resisti bem. Na segunda, cerca de 2 km para frente, reclamei internamente, mas na terceira, eu definitivamente roguei praga à corrida. Também já sabia que não conseguiria fazer em menos de uma hora. Na verdade, quando cruzei a linha com 1h06 e 32 segundos, sentia-me decepcionado. Uma lesma. Só fui me ligar, quando na volta, ouvi duas pessoas conversando:

– Parece que teve uma corrida aí né?

– É. Como esse povo corre tanto?

– Cara, sei lá. Esses caras não são gente. Se eu correr até a padaria eu morro.

– Nem me fale. Se eu correr atrás do ônibus, fico ofegante ainda uns 10 minutos no ônibus.

Ok, ok…. sofre essa ótica, 1h06 e 32 segundos é digno de nota…

– Oi. Essa sua mochilinha aí. Correu né? – perguntou-me mostrando uma medalha da corrida.

Vai entender ps processos que ligam a sexualidade na mente da gente, mas aquela garota até então despercebida, por praticar um mesmo esporte que eu foi o suficiente para aflorar um desejo que nada tem relação com o esporte. Cerca de 40 minutos depois, estávamos com os corpos misturados uns aos outros. Começou com ela me mostrando a coleção de medalhas dela. Acreditem…. isso pode ser excitante, ou sei lá… nada é no final das contas, mas convergiu…

Acordei daquele cochilo nu entrelaçado aquele corpo e vi que tinha que correr para não me atrasar para o compromisso do começo da noite. Uma corrida não física, mas temporal. Atrasei 3 minutos, mas cheguei. 3 minutos em uma corrida é uma eternidade, mas em um encontro, é um nada. Como eu estava cansado da corrida e da corredora, fiquei muito mais na língua e na mão e acho que não teve problema. Pouco depois de 20h o telefone toca:

– Oi amor, tudo certo daqui a pouco?

– Sim, mas to tão cansado. Posso levar a Maíra também?

– Se por ela estiver ok.

– Vou perguntar. – Mas ela tinha um compromisso com uma namoradinha.

Já estava no metrô de novo quando recebo uma foto da corredora dizendo que ela me começou a prestar atenção em mim quando apareci nessa imagem distorcida. Será que é assim que as pessoas vêem aquelas que possuem um estilo de vida fora dos padrões? Outra mensagem. Maíra dizendo que ela não poderia ir, mas que seu namorado topava ir. Minha vez de mandar uma mensagem:

Oi amor, Rodrigo vai conosco se encontrar conosco no lugar da Maíra.