Por trás das janelas as pessoas tendem a ser ninguém. Não possuem rosto. Apenas aquela imagem distorcida. Não são feias ou bonitas. Não são mal vestidos ou bem vestidos. Não são negros ou asiáticos. Não são católicos ou judeus. Não são de esquerda ou de direita. Elas podem ser altas ou magras e podem ter voz agradável ou não. Se em silêncio, não são nem mesmo homens ou mulheres. As crianças menores. As crianças inexistem por não chegar a essa altura, mas podem surgir através dos sons mesmo que não as vejamos e as imagens distorcidas podem tornar-se homens ou mulheres. Raramente fica-se na dúvida quando ouve-se vozes, mas raramente sabe-se o gênero apenas vendo uma imagem borrada.

Era tarde da noite. Bem tarde. Pensei ser três da manhã, mas não sabia ao certo. Acordei com o barulho de pratos e panelas caindo ao chão. Certeza que alguns se quebraram. Foi tão rápido que eu não sei se liguei muito, mas quando ouvi o que veio a seguir, daí sei que liguei. Liguei e muito. Liguei o sinal de alerta.

– Quem está aí?

Um silêncio infinito…

– Quem está aí?… Eu vou descer… e estou armado!

A luz se acende e meu coração já batia desconfortavelmente dentro de meu peito. Eu olhava pela fresta da janela do outro lado da rua. Imaginei como pudesse estar os corações do outro lado, mas sem pensar e agora me espanto por tal ação, peguei o celular e liguei para a polícia. Me desculpe não ter certeza de quanto tempo eles demoraram, mas eu estava com os olhos vidrados demais naquela janela, mas no chute, eu apostaria que demoraram cerca de uns 12 minutos. Rápido até. O 21º D.P. ficava duas quadras de nós. Pensando bem… 12 minutos para duas quadras é tempo demais. Eles podiam ter chegado um pouco antes. Eu andando chegaria antes, quanto mais na velocidade que aquelas duas viaturas chegaram. Barulho e luzes. Certeza que muita gente na verdade só havia acordado com a polícia.

Eles gritaram mais alguma coisa e entraram. Não tiveram o trabalho de arrombar a porta. Ela estava escancarada pela pessoa que venceu a batalha e saiu correndo. Muita luz dentro da casa, algumas vozes. Dois policiais saíram de dentro da casa enquanto outros dois permaneciam lá. Um foi no carro, o outro pegou o celular no bolso e fez alguma ligação. Quando meu telefone tocou, eu tomei um susto enorme e larguei ele que permanecia em mãos desde a hora que liguei para a polícia. Se espatifou no chão. Celular para um lado, bateria para o outro. Nervoso, peguei as duas partes, coloquei a bateria e liguei o celular novamente. Ia conferir que número havia me ligado uma hora dessas quando o telefone toca novamente. Número restrito e não quis atender. Olhei pela janela e os policiais que haviam saído da casa pareciam olhar de onde vinha o som e só por isso que eu atendi. Queria cessar aquele som.

– A…Alô?

– Departamento de policía. Foi o senhor que nos informou sobre o ocorrido agora pouco. Está muito longe daqui?

– Na verdade, estou na janela na frente do senhor, olhando para você.

Não me pergunte por qual motivo, mas quando ele olhou em direção à janela, gelei.

– O senhor pode vir aqui?

– Hã… é… claro…

Desliguei na cara do policial, mas foi de puro nervosismo. Não havia por que ter feito aquilo. Mero descontrole.

Quando lá cheguei, me pediram documentos que é claro que não tinha naquele momento, voltei para casa, peguei os documentos, voltei e descrevi o que havia visto que basicamente foi um confronto entre duas imagens distorcidas, uma caindo e a outra saindo correndo logo em seguida.

– Mas o senhor não disse que ele estava armado?

– Deve ter blefado para assustar o invasor- falei pensando exatamente naquele momento. Não havia sequer me tocado disso.

O outro policial balançou a cabeça arqueando sobrancelhas e boca dizendo para o outro policial que era plausível o que eu estava falando. Mesmo assim, eu teria que ser conduzido para a delegacia. Somente lá foi eu fui olhei para o relógio. 1:28h ainda e de pijama fiquei ainda umas 3 horas e tive que contar 4 vezes o que tinha acontecido. Isso já estava me irritando de alguma forma. Quando voltei para casa, ainda estava escuro, mas havia agora uma ambulância e algumas daquelas faixas preta e amarela indicando lugar interditado. O policial que me ligou estava por ali e me viu chegando. Acenou, mas senti-me desconfortável, mas acenei de volta. Entrei em casa e instintivamente acendi a luz, mas apaguei e voltei para a janela para ver um pouco mais do que acontecia. Encostei o queijo na janela e o cansaço venceu-me. Adormeci e acordei com uma claridade nos olhos e dor no pescoço. O dia havia clareado. Pensei ter acordado espontaneamente ou pelo desconforto da posição, mas na verdade era novamente o mesmo policial batendo em minha janela:

– O senhor está bem?

– Sim, claro…

– Ligaram para gente novamente e disseram que tinha um homem morto aqui na janela.

– É… por trás das janelas não da para perceber se as pessoas são feias ou bonitas, mal vestidos ou bem vestidos,negros ou asiáticos,  católicos ou judeus, de esquerda ou de direita e dependendo o casa, se vivas ou mortas.

Ele me olhou estranho, se virou para o outro policial.

– Esse aí deve estar delirando depois do que viu por trás das janelas…