Ao Seu Lado
Crítica do filme
A Guerra do Vietnã e suas feridas.
“Voltei para confrontar os demônios que me assombravam e torturavam você.”
Nos créditos iniciais do filme Destacamento Blood (Da 5 Bloods), o boxeador Muhammad Ali expõe os motivos de não haver respondido à convocação de lutar na Guerra do Vietnã, país asiático que já havia resistido bravamente à dominação chinesa e francesa de seu território.
Mas, como nem todos os negros americanos eram atletas campeões para alegar motivos de consciência e continuar vivendo suas vidas, eles tiveram que atravessar o oceano e servir de bucha de canhão na guerra mais infame e na derrota mais fragorosa dos Estados Unidos. Contra um povo com metade de sua estatura e o triplo de obstinação, em um conflito que durou 20 anos.
De lá para cá, a indústria cinematográfica americana abordou esse capítulo de sua história em filmes que variavam desde a patriotada de Rambo II – A Missão até a loucura e insensatez de Apocalipse Now.
E, como observador das agruras que os negros sempre sofreram, o diretor Spike Lee, enfim, vem expor sua visão através dos veteranos de guerra Paul (Delroy Lindo), David (Jonathan Majors), Otis (Clarke Peters) e Eddie (Norm Lewis).
Os protagonistas voltam ao Vietnã em busca dos restos mortais do companheiro de batalhão Stormin’ Norman (Chadwick Boseman, o Pantera Negra) e do tesouro encontrado pelo grupo na queda de um avião. Mas não sem antes refazer seus passos e relembrar suas decepções ao voltar a um país cujo povo jamais esqueceu das agressões sofridas.
Cada um dos personagens é, em si, uma representação do americano médio e traumatizado por conflitos que só parecem ter fim quando a própria vida se esvai, já que lutaram uma guerra que não era sua para continuar lutando outra em sua própria terra, como uma minoria cercada e constantemente assediada por uma maioria branca.
De fato, um dos grandes méritos do filme Destacamento Blood está no roteiro, que consegue enquadrar de forma interessante tudo o que os americanos deixaram para trás após a guerra. Isso envolve não apenas esses e os vietnamitas, mas também os franceses que tentaram dominar a região. Pena que certos diálogos sejam longos e didáticos demais, um desserviço ao ótimo elenco.
Em certos trechos, a montagem recorre algumas vezes a cenas documentais da época que ajudam a entender a história. Já a decisão de filmar as cenas passadas no formato antigo de tela quadrada e usando os atores principais ao lado do jovem Boseman foi um tiro certeiro de Lee para inserir o espectador na memória afetiva do grupo.
A caracterização do amigo falecido como um misto do sábio Martin Luther King e do aguerrido Malcom X, duas importantes figuras na luta pelos direitos da comunidade negra americana, não poderia encontrar melhor recipiente que o intérprete de nosso amado T’Challa. Visto que a persona heroica também encarna ambas as personalidades. Uma escolha muito bem pensada.
Destacamento Blood, enfim, é não apenas um filme com a visão de Spike Lee sobre a Guerra do Vietnã. É também uma grande obra sobre a comunidade negra americana e sua relação com aquele conflito. Assim como outros que vieram depois, cuja representação se dá de forma sucinta no famigerado boné de campanha do atual presidente Donald Trump, que nenhum valor dá às vidas negras sob sua responsabilidade.
Título original: Da 5 Bloods
Direção: Spike Lee
Elenco: Delroy Lindo, Jonathan Majors, Clarke Peters, Norm Lewis, Isiah Whitlock Jr., Mélanie Thierry, Paul Walter Hauser, Jasper Pääkkönen, Jean Reno, Chadwick Boseman
Distribuição: Netflix
Data de estreia: sex, 12/06/20
País: Estados Unidos
Gênero: suspense
Ano de produção: 2020
Duração: 155 minutos
Classificação: 16 anos