(Essa crítica faz parte do especial de 50 anos de 007 – uma crítica por semana, vinte e três semanas)

E quem disse que James Bond é invencível? O quinto filme da franquia é a prova de que até o agente britânico pode mostrar sinais de cansaço. Nesse filme, pela primeira vez, fica claro a necessidade de se trazer novos elementos. Não a toa, é que, depois dele, algumas das maiores polêmicas de toda a franquia, como a substituição de Connery por George Lazenb, vão acontecer. Mas chegaremos lá. Por enquanto, foquemos em Com 007 só se vive duas vezes.

Para os espectadores que já haviam assistido aos filmes anteriores é fácil notar, logo na primeira cena, como o filme vai se desenrolar: um estranho foguete “engole” uma nave americana, tudo levando a crer que se trata de um plano dos soviéticos. Quer dizer, menos para os fãs da série, que sabem que causar um conflito entre EUA e URSS, é um plano que só pode vir da S.P.E.C.T.R.E.

Nessa briga geopolítica, a Inglaterra se posiciona como solucionadora de problemas, enquanto americanos e soviéticos se armam para uma 3a Guerra Mundial. E quem vai resolver essa confusão, representando a terra da Rainha? Bond, James Bond, que nessa missão vai para terras orientais – lugar onde as pessoas têm peito raspado. Menos o agente britânico, é claro. Afinal, como ele mesmo diz “Os passarinhos não fazem ninho em árvores desfolhadas“. Um filósofo.

Agora está na hora de ligar o nosso criador de estereótipos.

*Criador de estereótipos ligado*

Lugar onde se passará a ação: JAPÃO

Lutadores de sumô. CHECK.

Mulheres vestidas de quimono. CHECK.

Massagistas orientais. CHECK.

"Massagistas".

“Massagistas”.

Grupo de centenas de Ninjas. CHECK.

Cena em que um personagem japonês diz para Bond: “No Japão os homens vêm em primeiro lugar. As mulheres logo atrás.” E recebe como resposta: “Talvez eu me aposente aqui.” CHECK
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MACHISMO DETECTED

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TOO MUCH MACHISMO

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*Desligando o criador de estereótipos*

No meio dessa superficialidade, que, querendo ou não, é uma marca registrada da franquia, vale um destaque para certas sutilezas. Uma delas vêm da direção de arte, que apesar de construir alguns cenários de gosto duvidoso (repare como o dojô parece saído de um filme de baixo orçamento), acerta ao mesclar o uso da madeira com o metal, mostrando um paralelo entre a tradição e a modernidade japonesa.

Contrastando com esses simbolismos criados pela arte, está a fotografia de Freddie Young (um dos maiores diretores de fotografia de todos os tempos, com Lawrence da Arábia, Dr. Jivago e três Oscars no currículo), que inexplicavelmente opta, por diversas vezes, pelo uso de uma forte luz direta em cenários onde a fonte dessa luz é inexistente.

Ah agora é o crítico querendo ser chato… Quem repara em luz?“, pode ter pensado o nobre leitor

Explico. Além da estranheza estética (a luz direta cria sombras pesadas que chamam a atenção para ela) e que remonta a filmes de baixo orçamento, onde não há preocupação com a luz, ela também é injustificada, uma vez que acontece em cenários com luzes fracas (como a dos balões japoneses) ou com vários focos de luz (luz do teto, da janela, do abajur).

Um exercício: explique de onde vem as fortes sombras das estátuas na parede. Se a sua resposta for: "do refletor", eu encerro o meu caso.

Um exercício: explique de onde vem as fortes sombras das estátuas na parede. Se a sua resposta for: “do refletor”, eu encerro o meu caso.

A maior fraqueza do filme – para variar – está em seu roteiro, dessa vez assinado por Roald Dahl. Não que a trama não seja interessante, mas ela é desenvolvida de forma muito estranha. Blofeld, o grande vilão da franquia, apesar de, pela primeira vez ter seu rosto mostrado, tem um encontro anticlimático com Bond – o que é compreensível, devido a sua fragilidade física. Isso não seria problema nenhum – se não fosse pela falta de grandes perigos e capangas no decorrer da obra. Bond parece nunca estar em perigo real, causando apenas dano e destruição às pessoas ao seu redor – sem ao menos se questionar ou sentir pelas suas mortes.

Um exemplo disso é o tratamento dado às Bond Girls. Além de serem pouco belas para o cargo – o que não é lá um grande problema – elas são literalmente dadas como descartáveis, apesar de sua importância durante a obra. Fica até difícil definir se há mesmo uma Bond Girl no filme, quando uma delas, a que mais tem química com Bond (salvando sua vida várias vezes), é assassinada na cama, com ele, e sua reação é ignorar completamente o ocorrido.

Em contrapartida, é preciso elogiar Lewis Gilbert, que aparece pela primeira vez na franquia. Suas cenas de ação e perseguição são incríveis. Seja uma perseguição em cima de um pequeno helicóptero inventado por Q (a “Little Nellie“), e que parece mais o carro do Professor Aéreo; ou uma invasão ninja (sim, eles são relevantes a trama), são todas muito bem ensaiadas e impressionam. Além disso, ele tem alguns toques de direção inteligentíssimos, como seu close na cara do gato do vilão, no momento em que um personagem está sendo comido por piranhas.

Vai dizer que não é igual?

Vai dizer que não é igual?

Com 007 só se vive duas vezes é um filme que, assim como 007 contra o Satânico Dr.No, peca pelo roteiro que apesar de ter diversos acertos (o machismo divertido, as cenas de ação exageradas, o aparecimento de Blofeld como vilão da trama), conta com uma estrutura frágil, que tira o peso de um trama que poderia ser interessantíssima.

Ainda sim, embalado pela excelente música de Nancy Sinatra (melhor tema de toda a franquia, na minha opinião), é possível dizer que se trata de uma obra que você vai querer assistir muito mais do que duas vezes.

BEM NA FITA: Cenas de ação e suspense muito bem montadas e dirigidas; Apresentação do Blofeld; Música Tema

QUEIMOU O FILME: Bond Girls descartáveis; Falta de um perigo real para Bond; Grande barriga de roteiro disfarçada como “o treinamento Ninja” de Bond

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Lewis Gilbert

Elenco: Sean Connery, Akiko Wakabaiashi, Mie Hama, Tetsurô Tanba, Karin Dor, Donald Pleasance, Bernard Lee e Lois Maxwell

Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman

Roteiro: Roald Dahl, baseado no livro de Ian Fleming

Fotografia: Freddie Young

Montador: Peter Hunt e Robert Richardson