Ave Máquina: arte e liberdade para criar
Guilherme Farizeli
Antes de mais nada, a banda Ave Máquina foi formada no início de 2018, na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo era criar músicas sem amarras estéticas e conceituais, podendo beber em diversas influências. Nesse sentido, a abordagem foi inspirada na liberdade dos tropicalistas e compositores de vanguarda dos anos 60 e 70.
A saber, o grupo é formado pela vocalista Kátia Jorgensen, pelo baixista Rafael Monteiro, o guitarrista Yuri Ribas e pelo baterista Fiu.
Em janeiro de 2020, o grupo gravou o programa Release Showlivre em SP mostrando seu repertório autoral. Além disso, a apresentação foi lançada como álbum ao vivo em todas plataformas digitais pela Showlivre. Mesmo mantendo o distanciamento necessário por conta da pandemia, a Ave Máquina seguiu buscando maneiras de continuar produzindo arte.
Portanto, para saber como tem sido esse momento e quais os planos para o futuro da banda, trocamos uma ideia com essa galera incrível.
Confira!
Fala, galera! Obrigado por conversar com o ULTRAVERSO! Como tem sido o 2020 para vocês?
Fiu: 2020 tem sido aquele ano virado no Jiraya, né… Uma grande experimentação de sentimentos em extremos. Lidar com as próprias contradições, lidar com as contradições das pessoas e do mundo tem exigido muito mais de mim.
Desde o início da pandemia, a banda resolveu não se encontrar. Os ensaios foram cancelados e com isso, descobrimos novas formas de nos mantermos em atividade.
Tínhamos um material completo, com todo nosso repertório nas plataformas digitais, então o trabalho foi explorar isso. Fizemos algumas lives e percebemos que era possível produzir, mesmo não estando presente.
E, voltando um pouco no tempo? Como surgiu a Ave Máquina?
Rafael: Eu e Yuri já havíamos tocado juntos em Nova Friburgo, na banda Camerata Violétrica. Anos depois , nos encontramos e mostrei uma série de composições novas, que misturavam rock com música brasileira. O Yuri era o guitarrista ideal para o projeto, pois tinha essa vertente do Rock. Ao mesmo tempo, ele estudava violão brasileiro e a ideia era justamente fundir essas linguagens.
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Posteriormente, acabamos tendo a sorte de encontrar a Kátia Jorgensen Ela que acrescentou um novo leque de sonoridades ao grupo, com seu enorme talento como cantora e compositora. A Kátia é atriz e uma cantora muito performática e teatral. E isso acabou somando à proposta artística da Ave Máquina. Por fim, no final de 2018 chegou o Fiu, um antigo amigo meu de Friburgo.
Todos nos demos bem de imediato, não apenas musicalmente quanto no pessoal. Ele (Fiu) é um grande compositor, muito intuitivo e com letras muito reflexivas. Como baterista não poderíamos ter achado um cara melhor, pois além de forte influência de ritmos brasileiros e africanos o cara tem uma pegada super Rock And Roll.
Vocês apontam uma série de artistas como parte de suas influências. Quais são aquelas que conseguem perceber mais intensamente no som de vocês?
Katia: Acredito que como performer trago muito das cantoras que me influenciaram. Tina Turner, Gal Costa, Cássia Eller. Como compositora, também tenho várias inspirações, mas, acredito que o que mais reflete no som da banda seriam compositoras da minha geração como Letrux, Carne Doce, Amy Winehouse e uma pitadinha old school de Angela RoRô (risos).
Rafael: Cada integrante tem suas influências e preferências. No meu caso, tenho uma forte conexão com compositores brasileiros dos anos 70. Caras como Caetano, Gil, aquela turma do Clube da Esquina estão fortemente na minha forma de compor. Mesmo quando estou fazendo uma música mais voltada ao Rock. Da mesma forma, gosto muito também de compositores e bandas mais atuais como Pietá, St Vincent, Kamasi Washington.
E mais especificamente no baixo?
Rafael: Como instrumentista sou muito influenciado pelos Beatles, sobretudo Paul McCartney. Além de caras como John Paul Jones (Led Zeppelin), Tim Bogert (Cactus), Andy Fraser (Free), Liminha (Mutantes), Luizão Maia e meu grande mestre Adriano Giffoni, minha maior referência no contrabaixo brasileiro.
E quanto a vocês, Yuri e Fiu?
Yuri: Tenho forte conexão com a MPB por também tocar violão. Desde grande virtuoses das cordas dedilhadas como Garoto e Raphael Rabello, passando por compositores como João Gilberto, Milton Nascimento e Caetano Veloso. Além disso, a raiz nordestina vem em nomes como Luiz Gonzaga, Elomar, chegando a Chico Science e Nação Zumbi, dentre outros. Da mesma forma, como instrumentista de guitarra elétrica, minhas influências são do rock progressivo em figuras como Eric Clapton, Jimmy Page (Led Zeppelin) e Martin Barre (Jethro Tull).
Fiu: Venho de um escola autodidata de rock, como o new metal, hardcore, e o metal extremo, que trabalham muito bem as dinâmicas e variações. Então, acredito que isso influencia nas minhas composições na bateria. Os discos que costumam passar pela minha vida sempre agregam nas minhas referências.
As músicas e músicos dos anos 60/70 me influenciam demais! Desde o rock, jazz, blues, ao psicodelismo do rock nordestino. Os tambores das religiões de matrizes africana e a cultura Hip Hop. Tony Allen, John Bonham, o grande Wilson das Neves, Curumin, Pupilo, do Nação Zumbi, Art Blakey, Luiz Melodia, Jards Macalé. Em suma, são alguns artistas que me despertam a curiosidade e o estímulo pra buscar novas ideias.
Normalmente, como funciona o processo de composição da Ave Máquina?
Rafael: Logo no começo da banda, cada integrante já chegou com suas composições. O grande barato e também o que levou mais tempo, foi criar os arranjos de todas essas músicas, respeitando as características de cada compositor, mas criando pontes e amarras entre as canções.
Acho que cada compositor da banda tem um estilo bem diferente, isso é um dos motivos da diversidade sonora do grupo. Além disso, passamos tanto tempo em estúdio criando e aprimorando em conjunto os arranjos de cada música que conseguimos desenvolver uma unidade em toda essa pluralidade.
Sempre gostei de bandas que conseguem em um disco passar por uma série de viagens sonoras e mesmo assim manter uma coerência. Acho que esse é nosso principal objetivo na Ave Máquina. Queremos ser livres para criar o que quisermos. Ao mesmo tempo, as músicas tem que ter a linguagem da banda.
E, agora em 2020, esse processo tem se mantido, foi modificado ou deu uma estagnada?
Katia: Estamos cada um na sua casa, mas mantivemos contato quase que diário. Fizemos reuniões semanais e estipulamos um cronograma de lançamentos. Enfim, acho que isso nos deu fôlego e ânimo pra criar.
Além disso, ter estabelecido metas fez com que a banda não parasse de produzir em nenhum momento. O ano foi muito produtivo, na medida do possível. Nesse sentido, nos aproximamos muito dos fãs por meio de uma rifa para realizar o nosso último single e também com a participação deles no webclipe de “Zumbi Tropical”.
Em setembro, vocês lançaram um vídeo para a canção “A Mulher que Amou Demais”, uma composição do Fiu. Como foi o processo de composição?
Fiu: “A Mulher que Amou Demais” foi um samba que eu compus em 2017. Fruto de várias reflexões, das sessões de terapia, de relacionamentos frustrados e inspirado numa obra de Nelson Rodrigues, partindo daí a necessidade de registrar essas ideias. Ela está no feminino muito por conta de um vídeo onde Caetano e Chico cantam a música um do outro (“Tatuagem”/”Esse Cara”) e falam sobre como é diferente compor letras no feminino, capazes de traduzir a anima do homem – seu lado feminino inconsciente.
Essa “onda” do samba veio daí?
Fiu: Sim. Eu percebi, então, que tudo isso tinha a ver com esse samba. Na banda, trabalhamos muito no arranjo pra trazer um pouco do que ela despertava em cada um. Por exemplo: eu pensei que colocar uma ciranda ficaria legal. No outro dia, o Rafael surgiu com a mesma ideia. Foi bem legal fazer parte desse processo de criar uma nova identidade pra música, a partir das interpretações individuais de cada um.
E como foi a gravação?
Yuri: O processo de produção e gravação da faixa de “A Mulher que Amou Demais” se iniciou com uma série de lives que realizamos no Instagram da banda logo assim que entramos em período de isolamento social. Sendo assim, gravamos os instrumentos em casa, cada um na sua, com recursos limitados. Baixo, guitarra e teclado foram gravados em interfaces simples de áudio, o que garantiu uma boa qualidade de som, porém a bateria teve que ser gravada pelo celular.
O vídeo seguiu essa mesma linha?
Yuri: Ao termos a ideia do clipe, utilizamos estes áudios para criar a base sobre a qual a Micah gravou sua voz em seu home studio. Felizmente, conseguimos uma parceria com os estúdios da Audio Rebel onde podemos gravar os vocais finais da Katia. Apesar das adversidades, conseguimos ter uma mix satisfatória e um clipe que seguiu os moldes de produção do áudio. Ou seja, de forma colaborativa e independente.
Na mesma música, rola ainda um dueto incrível com a cantora Micah. Contem pra gente como se deu essa parceria.
Katia: A Micah é uma cantora fantástica, dona de um timbre bem diferente do meu e isso foi também determinante para o convite. Já tínhamos shows marcados e planos para 2020, mas, tudo foi cancelado por causa da pandemia.
Então, demos um jeito de manter nossas parcerias e fizemos o convite. Achamos que a Micah tem tudo a ver com o som da banda e o feat ficou realmente muito lindo. Eu brinco com ela que não a conheço pessoalmente, nessa vida (ainda), então acredito que a gente deva se conhecer de outras vidas anteriores porque temos uma sintonia enorme.
Mais recentemente, vocês lançaram um vídeo para a canção “Cigarra”, Como se deu a produção da faixa e do clipe?
Yuri: Os primeiros áudios da música foram gravados em janeiro de 2020 nos estúdios da Showlivre em São Paulo, onde, na ocasião, transmitimos um show ao vivo pelo seu canal do YouTube. Tivemos como resultado nosso primeiro álbum ao vivo mixado e produzido pela Showlivre.
No entanto, o registro das músicas nos permitiu ir além. Com os arquivos abertos, pudemos gravar novas guitarras e teclados por cima que foram então remixados por mim e remasterizados por Emydgio Costa, o que conferiu uma nova sonoridade e arranjo à música. Concomitantemente, a banda realizou uma rifa virtual que pôde viabilizar os custos do clipe que foi produzido e dirigido pela artista Nicole Peixoto.
O público teve a chance de conhecer mais músicas da Ave Máquina através da performance na Showlivre. Existem planos para o lançamento de um álbum de estúdio, full lenght?
Fiu: Com certeza teremos novidades em 2021!! Esse trabalho no Showlivre foi uma maneira de mostrar o resultado de quase um ano enfiados dentro de um estúdio produzindo. Encaramos como um “prato de entrada”. Queríamos ter o feedback das pessoas a respeito da nossa arte. Fomos forçados a nos reinventar.
Apesar de não ser a maneira mais cômoda, conseguimos nos adaptar à distância. Isso nos deu confiança pra pensar num próximo passo. Nesse meio tempo surgiram novas composições, novas parcerias… Então, podem esperar que 2021 vai será produtivo quanto esse ano. Sair da zona de conforto tem sido uma experiência fantástica.
Conheça o trabalho da Ave Máquina
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Então você é artista e acha que não tem muito espaço? Fique à vontade para divulgar seu trabalho na coluna Contra Corrente do ULTRAVERSO! Não fazemos qualquer distinção de gênero, apenas que a música seja boa e feita com paixão!
Além disso, claro, o (a) cantor(a) ou a banda precisa ter algo gravado com uma qualidade razoável. Afinal, só assim conseguiremos divulgar o seu trabalho.
Enfim, sem mais delongas, entre em contato pelo e-mail guilherme@ultraverso.com.br! Aquele abraço!