BaianaSystem OXEAXEEXU Navio Pirata

América e África a bordo do ‘Navio Pirata’, novo álbum do BaianaSystem

Wilson Spiler

Numa viagem no tempo-espaço, o Navio Pirata, que seguia o seu rumo nos mares agitados do carnaval 2020, volta a navegar de maneira virtual com as marcas do isolamento repentino em que o mundo foi colocado. Assim, numa simbólica trajetória que reconecta América e África numa mesma latitude tropical, une Bahia e Tanzânia. TANZABAHIA. Essa conexão permeia de maneira profunda Navio Pirata, a primeira parte do novo disco do BaianaSystem intitulado OXEAXEEXU.
Dividido em três atos, a abertura não poderia ter um nome mais representativo para esse momento em que novos caminhos precisam ser desbravados e tudo parece estar colocado em xeque. Navio Pirata.

‘Pra onde vamos?’

A bordo dessa embarcação estão um emaranhado de informações, bem como personagens, questionamentos, línguas e rezas. Mas uma coisa marca de maneira forte, assim como no início dos tempos: a palavra. A força do verbo que move o homem e nos conecta em muitos planos costura todo esse primeiro ato em cima de sons que parecem se estruturar em diversos ritmos para dar sustentação à palavra. Ritmo e poesia.
Aliás, TANZABAHIA nos projeta para um lugar imagético. Que pode ser a bordo de um navio cruzando mares ou através dos beats trocados em tempo real entre Salvador e Dar es Salaam. Aproximando de maneira visceral as vibrações causadas pelas imagens do carnaval de rua da Bahia, espelhadas nas imagens das apresentações ao vivo de um movimento chamado Singeli Music.
A euforia, a explosão, o ritmo acelerado e o espiritual presente se misturam e fazem as rimas de do incrível Makaveli dialogar com uma reza de B Negão. O que se conecta, em seguida, com Dona Ritinha, rezadeira do sertão da Paraíba, em trecho extraído do documentário Ramo. Trazendo sua sabedoria para a faixa instrumental Raminho numa espécie de preparação para a travessia.
O Navio Pirata – Primeiro Ato, do BaianaSystem, traz para o palco trágico em que vivemos a participação de muitos personagens. Com suas artes, colaboram de maneira fundamental para essa narrativa. O produtor cultural Abbas Jazza viabilizou o encontro com o cantor Makaveli e o DJ/produtor Jay Mita. Além disso, captou expressões populares nas ruas de Dar es Salaam para uma realização audiovisual que traduziu a pergunta central da faixa Nauliza e que representa muito do sentimento do álbum. “Pra onde vamos?”
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Latitudes e latinidades

Entrando numa cápsula sem limites, como anuncia Cyro Aguiar no sample extraído de seu disco “Anticonvencional” (que abre a faixa “Monopólio”), o Navio Pirata do BaianaSystem constrói um caminho baseado na pesquisa de samples, vinis e de um “laboratório eletrônico” que permite explosões rítmicas urbanas, fundindo referências de diferentes lugares e épocas.
Aliás, um desses achados nos leva direto aos anos 80. Numa memória trazida pelo sample da música Buzu que faz parte da faixa “Catraca“. Com seu hipnótico riff de teclado, se tornou um clássico e foi composto por Tonho Matéria, que foi cantor e compositor de todos os blocos afros e precursor do samba junino.
Com ele ainda temos nessa viagem a presença mágica da cantora Céu na faixa “O que não me destrói, me fortalece”. Um Nayambing que reforça a ideia de reza e força coletiva do canto, Bruno Buarque (produção e bateria); Joander Cruz (saxofone); e o controle da nave mais uma vez nas mãos do velho companheiro Daniel Ganjaman; que assina mais uma produção ao lado do BaianaSystem.
Por fim, encerrando esse primeiro ato que parte da África, o Navio aponta para novas direções. Além disso, sugere as próximas rotas em direção à América Latina. Adentrando no coração do continente e quebrando as fronteiras para um entendimento mais amplo da nossa formação, a faixa “Chapéu Panamá”, com beat fincado na percussão afrolatina e referência de dance hall, segue com questionamentos sobre os nossos caminhos, as águas percorridas, o sangue derramado e antecipa o que está por vir nos próximos atos de OXEAXEEXU.

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
NAN