BAÚ DO BLAH! | ‘Seu Último Refúgio’ (1941)
Bruno Giacobbo
O que é um filme noir e quando foi exibida a primeira produção deste subgênero tão cultuado? Conta-se que o termo foi cunhado pelo crítico francês Nino Frank, em 1946. No entanto, reza a história que o longa que desbravou esta seara, em Hollywood, onde o gênero ganhou mais força do que em qualquer outro lugar, foi “Relíquia Macabra”, de 1941, com a direção de John Huston. Ou seja: já se fazia filmes noir quando eles ainda não eram conhecidos por esta alcunha. Parece loucura, mas não é. O mais importante é entender o que faz de um filme um filme noir. Entre outros elementos, temos uma história de crime temperada com uma bela pitada de drama e a fotografia fortemente influenciada pela Expressionismo Alemão. Entretanto, há uma coisa que chama a atenção de qualquer pessoa, leiga ou especialista: a presença de um protagonista cínico e fiel aos seus princípios.
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Seu Último Refúgio (High Sierra) é do mesmo ano que “Relíquia Macabra” e também teve a participação de John Huston, só que no roteiro. A direção é de um dos maiores cineastas dos anos 30 e 40: Raoul Walsh. Na trama, Roy Earle (Humphrey Bogart) é um assaltante que acabou de sair da cadeia. Sua liberdade foi comprada por um chefão enfermo. Como nada no mundo é de graça, em retribuição, Earle tem que realizar um último assalto, mesmo correndo o risco de voltar para cadeia. O alvo não é nada muito difícil: um hotel de veraneio repleto de hospedes milionários. Na realidade, seu maior problema são os seus parceiros para esta empreitada: dois jovens inexperientes e autoconfiantes. Se isto já não fosse complicação demais, eles, ainda por cima, disputam a atenção de uma garota: Marie (Ida Lupino). É aí que surge outro elemento tradicional em um filme noir: a femme fatale.
Ainda que não fosse tão bela quanto outras mulheres de sua época, Lupino, especificamente neste longa-metragem, reunia as credenciais de uma verdadeira femme fatale. Inocente e cândida, quando você a conhece inicialmente, maliciosa e provocante, quando você realmente a conhece. Acontece que ela não é a única de sua espécie nesta película. Muito mais do que Marie, quem verdadeiramente vira a cabeça de Earle é Velma (Joan Leslie), uma simplória caipira que anda na companhia dos avós. Bandidão afamado, vendido pela imprensa como um cachorro louco que não hesita em matar quem obstrui seu caminho, apaixonado pela segunda e tentado pela primeira, o protagonista revela ser muito mais do que um simples rótulo criado para vender jornais. Todas as nuances de sua personalidade são reveladas, paulatinamente, com o decorrer da história e os seus desdobramentos.
Mestre em seu oficio, Walsh nos conduz, pela mão, por uma história eletrizante em que a tensão culmina em um cerco, no alto das montanhas que batizam o longa em inglês. Acuado, naquele instante, Earle já ganhou totalmente a simpatia e o amor do público. No livro “Bogart: Em busca do meu pai”, que citei em minha crítica anterior, Stephen Humphrey Bogart revela que, segundo o seu progenitor, o fascínio dos espectadores pelos bandidos em filmes como este se deve ao fato dos roteiristas sempre retratá-los em situações desvantajosas: dez policiais para cada Roy Earle. Faz todo sentido. Todavia, não concordo inteiramente com esta opinião. Acredito que a afinidade se deva muito mais a outro aspecto: até mesmo os caras que deveriam ser os vilões destas tramas conseguem, nas hora mais incertas, permanecer fiéis aos seus propósitos. Sem dúvida alguma, um belo exemplo de retidão de caráter.
Lançado em 21 de janeiro de 1941, nove meses antes de “Relíquia Macabra”, que teve seu debut oficial em 18 de outubro do mesmo ano, Seu Último Refúgio possui elementos de um autêntico filme noir. No entanto, ele não recebeu esta classificação. Se tivesse, seria a primeira película deste tipo da história de Hollywood. E por que ele não é um filme noir? Sendo bem sincero, desconheço a explicação e me recuso a inventar teses, afinal, críticos de cinema não são obrigados a saber de tudo. Além disto, o que realmente importa é o fato de que se trata de um filmaço, daqueles que deixam os espectadores em estado de suspensão após a última cena. Longa-metragem bom não é necessariamente aquele que você não consegue prever o que vai acontecer e se surpreende no fim de tudo. Estes, quando bem realizados, também são bons. Contudo, os que, de alguma forma, são previsíveis e ainda assim conseguem arrancar arfares do público, são ainda melhores.
Desliguem os celulares e excepcional diversão.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: High Sierra
Direção: Raoul Walsh
Elenco: Humphrey Bogart, Ida Lupino e Joan Leslie
Distribuição: Warner Bros
Data que estreou: 21/01/1941
País: Estados Unidos
Gênero: drama, ação e gângster
Ano de produção: 1941
Duração: 100 minutos