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‘Blonde’ transita entre Norma Jeane e a personagem Marilyn Monroe

Jorge Feitosa

“Sou uma escrava dessa Marilyn Monroe.”

A frase acima dita por Ana de Armas sintetiza o que foi a vida e a carreira de Norma Jeane, mulher nascida em circunstância humildes que passou por lares adotivos e orfanatos devido à instabilidade mental e financeira da mãe e foi descoberta por um fotógrafo enquanto trabalhava numa fábrica. A partir daí, sua figura voluptuosa lhe rendeu sucesso como modelo em várias capas de revistas e abriu-lhe as portas dos estúdios em plena Era de Ouro do Cinema.

Lançamento original da Netflix, o filme Blonde adapta o romance de Joyce Carol Oates inspirado na vida de Marilyn Monroe, nome artístico adotado por Norma que se tornou um ícone da cultura pop e até hoje é um dos rostos mais reconhecíveis em qualquer canto do mundo com seus cabelos platinados, ar ingênuo e a pinta na bochecha (um truque de lápis que logo se tornou permanente com tatuagem).

Realidade e ficção

Misturando fatos com uma narrativa ficcional, o diretor Andrew Dominic finalmente consuma um projeto de anos do aqui produtor Brad Pitt, com quem já trabalhou em O Homem da Máfia e O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford. E intercala momentos da vida de Marilyn, como a infância, a carreira e seus relacionamentos conturbados. Alternando cenas em preto e branco e outras de um colorido idílico de acordo com as emoções da atriz e emulando imagens que se tornaram famosas.

Pra isso, mais de 100 looks de Marilyn foram criados pela produção, dos quais cerca de 60 foram utilizados. O que exigiu um trabalho monumental de figurinistas e maquiadores com perucas feitas sob medida, próteses para fixá-las na cabeça e adaptações nas roupas não para transformar Ana em Marilyn, mas pra fazer Marilyn emergir de Ana. O resultado são verdadeiras marcas registradas, como a coreografia de Diamond’s Are The Girls Best Friends em Os Homens Preferem as Loiras e a saia esvoaçante em O Pecado Mora ao Lado.

Mas como nem tudo eram flores pra Marilyn, não faltam momentos difíceis em sua vida, como o assédio de produtores que só tinham olhos para o seu corpo, a violência de um marido ciumento (Bobby Cannavale, interpretando a lenda do beisebol Joe DiMaggio); bem como o casamento com o cineasta Arthur Miller (Adrien Brody) quando não suportava mais o estereótipo de “loira burra” e durante o qual ganhou o Globo de Ouro justamente por encarnar o tipo em Quanto Mais Quente Melhor, considerado uma das melhores comédias de todos os tempos. Porém, nenhum é mais desconcertante quanto o encontro em um hotel com o presidente John. F. Kennedy (Caspar Phillipson).

Liberdade criativa

Ana de Armas, ciente do tamanho e do peso de sua personagem, aproveita o que seria para qualquer atriz o papel de uma vida e o compõe de forma notável, alcançando o tom de voz e a vulnerabilidade que a própria Marilyn usava para despertar empatia, mas sem cair na caricatura.

Outros momentos são liberdades criativas da intimidade da artista, interpretando os abortos que sofreu, o inconformismo de nunca ter conhecido o pai e a relação com a mãe (Julianne Nicholson). Inclusive a dependência crescente de medicamentos que a levou à morte por overdose aos 36 anos de idade.

Um ato classificado como provável suicídio de alguém que criou para si uma personagem da qual nunca conseguiu sair. Mas que a tornou eternamente linda, jovem e adorada para a posteridade.