Cazas de Cazuza | Nova versão do musical é um deleite
Guilherme Farizeli
Em primeiro lugar, voltar ao teatro foi um prazer. Um exercício de amor à arte mesmo. No último sábado (20), estive no Vivo Rio para acompanhar a estreia da nova versão do musical Cazas de Cazuza. Que a gente pode chamar, sem medo de errar, de um clássico do teatro brasileiro.
Escrito e montado primeiramente em 2000 por um grupo de jovens artistas, tendo à frente o diretor e compositor Rodrigo Pitta, Cazas de Cazuza se transformou num grande sucesso na época. E teve uma enorme repercussão: quase 100 mil pessoas assistiram ao espetáculo! Vinte e um anos depois, o musical está de volta mostrando a história de oito personagens: Mia, Enrico, Justo, Bete, Deco, Vera, Ernesto e Dornelles. Todos habitantes do Baixo Leblon, no Rio de Janeiro.
Elenco de Cazas de Cazuza
No elenco, nomes já conhecidos do público, como o humorista Paulinho Serra, o ex-The Voice Leandro Buenno e a atriz Julianne Trevisol. Além disso, Jay Vaquer (que interpretou Justo na primeira versão) assina a direção musical.
Na trama, são abordados temas como preconceito, sexo, drogas, amor, desemprego e religião. Temas sobre os quais Cazuza discorria com enorme facilidade. Nesse sentido, uma das características mais fortes de uma obra de arte é sua capacidade de sobreviver ao tempo. E a obra do Poeta segue absolutamente relevante e atual.
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Texto e ritmo impecáveis
O musical já começa com a energia lá no alto, proporcionando ao público uma mistura de sentimentos e sensações. Somos confrontados por nossa realidade atual como país do mesmo modo que somos “enviados” lá para 1999, com desemprego, crise hídrica e falta de grana. Relevância é a palavra. A maneira como a história se desenrola permite que cada pessoa se identifique mais ou menos com cada um dos protagonistas.
São as nossas perspectivas que nos fazem escolher nossa história preferida, o que considero um acerto tremendo. O primeiro ato termina com um dos momentos mais emocionantes do espetáculo (senão o mais emocionante) e ele dá o tom para as resoluções do segundo ato. Mas não espere nenhum tipo de clichê. O objetivo é, além de celebrar o amor, provocar a reflexão.
Elenco afiado e atuações deliciosas
No início da peça, a gente se diverte com o jeito “sacana” de um Dornelles incrível, entregue por Paulinho Serra. Tudo na medida, deixando espaço para que a história flua e os outros protagonistas brilhem. Único remanescente no elenco da montagem original, Fernando Prata recebeu a oportunidade de dar vida novamente ao seu Enrico. E a emoção do ator foi visível, amplificando o resultado final de sua entrega.
Leandro Buenno e Julianne Trevisol brilham com seus Justo e Mia, talvez os personagens mais afetados pelo desenrolar da história. E eles vão bem demais trafegando pelas vitórias e derrotas impostas pela trama. Além disso, Leandro é um cantor absurdo e sua voz adicionou uma camada extra de emoção em todos os presentes.
Por falar em emoção, o que foi o dueto maravilhoso entre Vera (Janamô) e Ernesto (Alexandre Damascena)? Não vou me aprofundar pra não dar spoiler, mas é um diamante dentro de outro diamante. Belíssimo! A Bete Balanço de Jade Baraldo traz um colorido diferente à trama e a atriz consegue entregar uma performance livre, leve e solta, à altura do que a gente espera da personagem.
Deco, um cafajeste que a gente ama odiar
Do mesmo apartamento que nos presenteou com Justo e Bete, vem uma das maiores forças do espetáculo: Deco, interpretado por Yann Dufau. À primeira vista, o personagem é aquele cafajeste vestido do mais clássico “carioquês”. Um indefectível “heterotop” dos dias atuais. No entanto, a energia que o ator emprega desde a primeira cena e a potência vocal com a qual ele aborda alguns dos maiores clássicos “cazuzianos”, não deixa dúvidas que é uma performance pra ser lembrada.
O texto de Rodrigo Pitta desenvolve o personagem na medida certa até culminar na performance de “Cobaias de Deus”, que só de lembrar já fico arrepiado novamente. Com certeza, a versão na voz maravilhosa de Yann Dufau é uma das mais bonitas interpretações de uma canção de Cazuza que já ouvi.
Cazas de Cazuza é uma ópera rock, sim senhor
A missão de emocionar também ficou a cargo da banda de peso responsável pela trilha ao vivo do musical. E os caras não deixaram barato. Que performance! Com a direção musical de Jay Vaquer, os arranjos conferem uma roupagem toda especial às canções do Poeta. Despertando a curiosidade dos espectadores e elevando o nível de clássicos do rock nacional, o que eu particularmente achava impossível! Mas, vai por mim, eles conseguiram!
Vaquer recrutou os incríveis Kelder Paiva (bateria), Lancaster Lopes (baixo), Caio Barreto (guitarra) e Anderson Nem (teclado e programações). Como se não bastasse tudo de incrível que o espetáculo apresenta, ainda somos agraciados com essa banda linda. Gratidão!
Conclusão
A nova versão do musical Cazas de Cazuza mexe com a nossa emoção, de verdade. A gente sai do teatro com vontade de assistir mais. Eu assistiria, com certeza um spin-off do Deco, da Bete ou dos maravilhosos Vera e Ernesto. E que tal uma história nova da Mia, logo depois dos acontecimentos do espetáculo? Outra característica indelével das obras de arte é justamente essa capacidade de nos mobilizar e nos deixar com vontade de mais. Como aquele trecho marcante de uma música que só acontece uma única vez no arranjo.
Cazas de Cazuza ecoa no que a gente sente agora, como indivíduos e como sociedade. Assim como os gritos e aplausos que ecoaram no Vivo Rio nessa inesquecível noite de sábado. O musical terá uma apresentação extra no dia 4 de dezembro, portanto, faça um favor a você mesmo e não perca!