CRÍTICA | ‘Trama Fantasma’ é puro deslumbre e arrebatamento
Larissa Bello
A carreira do diretor norte-americano Paul Thomas Anderson requer uma atenção minuciosa. Ele é um dos mais interessantes diretores da sua geração. Seus filmes sempre chamam atenção por apresentarem uma narrativa extremamente intrigante, fazendo com que o espectador sinta uma verdadeira experiência emocional durante a exibição de suas obras. Basta observarmos sua filmografia, para percebermos um estilo muito próprio do diretor.
Em Trama Fantasma (Ghost Thread, 2017), PTA escalou novamente o ator inglês Sir Daniel Day-Lewis, com quem já havia trabalhado em “Sangue Negro” (There Will Be Blood, 2007), e que, inclusive, rendeu a ele o Oscar de Melhor Ator. Lewis anunciou, recentemente, que não mais irá trabalhar como ator e este é o seu último trabalho. Ele já fez anteriormente uma pausa na carreira para assumir a profissão de sapateiro. Resta saber se dessa vez o ator pretende realmente não mais retornar às telas. Pelo sim, pelo não, novamente temos a chance de ver sua atuação impecável na pele de um arrogante estilista da alta costura na Londres dos anos 50. Não é à toa que ele está indicado, mais uma vez, na categoria de Melhor Ator no Oscar desse ano.
A produção ainda está indicada em outras cinco categorias, incluindo Melhor Filme. Tais indicações são extremamente válidas, pois se trata de uma daquelas obras que vislumbram a capacidade da arte cinematográfica em proporcionar um puro deleite ao se apreciar uma história contada na tela de cinema.
Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) é um estilista super requintado e solicitado por uma clientela composta pela alta sociedade mundial: condessas, princesas e outros tipos de celebridades o procuram para criar vestidos únicos e luxuosos. O talento do Sr. Woodcock só não é maior que sua difícil personalidade. Exigente, egoísta e vaidoso ao extremo, ele se expressa sempre de maneira grosseira quando não quer ser interrompido durante o seu processo criativo. O envolvimento dele com as mulheres parece acontecer somente até um dado momento em que ele simplesmente enjoa delas e são descartadas de forma muito prática com a ajuda da sua irmã, Cyril, que ele chama “carinhosamente” de “minha cara fulana de tal” e é interpretada de forma primorosa por Lesley Manville.
Durante um jantar com Cyril, o estilista confessa que anda muito perturbado ultimamente, pois tem sonhado bastante com a mãe, que já é falecida. Sentido a presença e até mesmo o cheiro dela. Sua irmã sugere então que ele vá para o campo descansar um pouco. E assim o faz. Ao chegar, resolve tomar café da manhã em uma lanchonete. Imediatamente seus olhos cruzam com de uma bela e atrapalhada garçonete, que tem o sugestivo nome de “Alma”, vivida pela atriz nascida em Luxemburgo, Vicky Krieps, cujo rosto delicado como de uma boneca vai seduzir Reynolds e dar a ela o posto de sua nova musa.
Alma vai morar na casa de Reynolds, local onde também funciona seu ateliê, que é amparado por um time de costureiras e onde Cyril também reside. A partir daí, Alma vai conhecendo e percebendo o quão difícil é lidar com a personalidade do estilista. Porém, ela consegue de um jeito muito sutil não se submeter por completo aos caprichos dele. Sem falar, que também conquista Cyril, personagem esta que remete, em alguns momentos, a rígida governanta de “Receba, A Mulher Inesquecível” (Rebeca, 1940), de Alfred Hicthcock. Filme aliás, que influenciou bastante o diretor enquanto elaborava o argumento do roteiro.
A tensão narrativa, somada aos enquadramentos, que inclusive foram feitos diretamente pelas mãos do próprio PTA, uma vez que ele optou por não contratar especificamente um diretor de fotografia, além da excelente sintonia entre os atores, nos provoca um magnífico e sublime arrebatamento. Algumas cenas são simplesmente geniais, quando, por exemplo, Reynolds está sentado na frente de sua irmã em um completo estado de stress emocional e Alma adentra a sala e fica posicionada de pé atrás dele. Ela fica durante toda a cena completamente desfocada enquanto ele confessa o quanto precisa de ajuda, pois cometeu um terrível erro ao deixa-la entrar na sua vida, pois não consegue mais trabalhar direito e o quanto odeia ser incomodado. É como se a imagem dissesse que o incômodo sentido é puramente de falta de foco, de enxergar melhor as pessoas com quem se relaciona, principalmente as mulheres.
Pode-se dizer que o fantasma da história é justamente o sentimento do amor e toda a complexidade advinda deste sentimento. É o amor que vai assombrar a vida dessa pessoa que preza pela comodidade da sua personalidade. É esse sentimento que irá causar um enorme desconforto, pois pode, e vai atrapalhar, perturbar todos os protocolos de uma rotina engessada, vai virar do avesso suas emoções e a forma como ele sempre lidara com elas. Alma surge na vida de Reynolds para personificar a abstração desse sentimento. E diferentemente de histórias de amor convencionais, PTA vai a fundo para mostrar que o amor não é para amadores. E que, uma vez fisgado por ele, por alguma inexplicável razão você se propõe a se entregar inteiramente de corpo e Alma.
::: TRAILER
::: FOTOS
::: FICHA TÉCNICA
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville
Produção: Paul Thomas Anderson, Megan Ellison, Daniel Lupi, JoAnne Sellar
Fotografia: Paul Thomas Anderson
Distribuição: Universal Pictures
Duração: 130 min.
País: EUA