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CRÍTICA #1 | ‘ 15h17: Trem para Paris’ reflete a coragem de seu realizador, mas poderia ser infinitamente melhor

Bruno Giacobbo

Em 21 de agosto de 2015, o marroquino Ayoub El Khazzani perpetrou um ataque terrorista contra um trem que ia de Amsterdã (Holanda) para Paris (França). O que poderia ter terminado em mais uma tragédia, repleta de sangue, teve um saldo altamente positivo graças à corajosa intervenção de sete homens. Ninguém morreu, apenas duas pessoas se feriram gravemente e o agressor foi preso. Entre os heróis, até então anônimos, estavam três jovens norte-americanos que mochilavam pela Europa: Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler. Amigos desde a época do colégio, em Sacramento (Califórnia), eles agiram praticamente em conjunto, lutando, desarmando e subjugando El Khazzani. Juntos, também, escreveram um livro, relatando aqueles poucos minutos de absoluta tensão, que, posteriormente, foi transformado em filme por Clint Eastwood. 15h17: Trem para Paris (The 15:17 to Paris) é o 40º trabalho do veterano astro de filmes de ação como diretor e, provavelmente, o mais corajoso de todos.

CRÍTICA #2 | ’15h17: Trem para Paris’ tira um pouco o foco do atentado terrorista e quebra a tensão natural do tema abordado

Última parte de uma trilogia informal sobre atos heroicos de homens comuns, as duas primeiras foram “Sniper Americano” (2014) e “Sully: O Herói do Rio Hudson” (2016), este novo longa-metragem se revela especialmente corajoso por utilizar não atores. Na pele de Stone, Skarlatos e Sadler, os próprios amigos. Não satisfeito em reproduzir fielmente o relato deles, Clint quis que eles revivessem cada minuto daquele dia. Sua intenção era conferir o máximo de veracidade possível a tomada do trem e, com isto, introjetar nos espectadores a sensação de estar vendo imagens reais. E no que diz respeito àquele momento específico em que o terrorista marroquino perpetra o ataque, o cineasta conseguiu. São instantes bastante tensos, capazes de prender a nossa atenção, mesmo já sabendo como tudo terminou. Acontece que esta opção cobra o seu preço em outras cenas onde atores experientes, como Bradley Cooper (Sniper), Tom Hanks ou Aaron Eckhart (Sully), teriam dado dramaticidade ao filme.

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Para contar esta história, Clint retrocedeu ao ano de 2005 para mostrar como o trio se conheceu em uma escola cristã, em Sacramento (seria a mesma de “Lady Bird?”). Longe de serem alunos exemplares, Stone, Skarlatos e Sadler são retratados como meninos problemáticos que vivem indo parar na sala da direção. Nas horas vagas, eles possuem uma paixão: armas e todo tipo de brincadeira que envolva a palavra guerra. E assim eles se conhecem, se aproximam, firmam uma grande amizade, mas, um dia, por contingências da vida, se afastam e passam a não se ver mais todos os dias. Esta primeira parte, toda filmada com atores de verdade, serve para conhecermos os protagonistas, contextualizá-los e tornar verossímeis algumas atitudes que serão mostradas posteriormente. Afinal, o que levaria alguém a correr feito um trem desgovernado contra um homem apontado um rifle AKM? Até aqui, tudo funciona bem.

O problema ocorre quando a trama chega a idade adulta e entram em cena os verdadeiros protagonistas. A paixão da infância por coisas bélicas é determinante nas escolhas profissionais de Stone e Skarlatos. Eles entram para a Força Aérea e para a Marinha, respectivamente. Trilham caminhos distintos. Um deles chega, inclusive, a servir no Afeganistão. Só que o tempo todo o roteiro bate na tecla de como eles são diferentes dos outros soldados. Há uma dificuldade visível em acatarem ordens, seguirem as regras e por aí vai. Um comportamento que também servirá para justificar futuras atitudes. Do quartel paras as ruas da Europa, os não atores ganham espaço em cena e mostram os problemas de se escalar gente comum. Falta embocadura na hora de falar, sobram olhares perdidos e abundam tomadas que parecem saídas de vídeos caseiros de famílias em viagem de férias. Ou seja: chatas e formadoras de uma barriga. A recuperação vem no último ato, quando, enfim, eles podem fazer o que sabem.

A veracidade pretendida por Clint Eastwood em 15h17: Trem para Paris é alcançada quando, filmada a cena do ataque, Stone e Skarlatos, com o auxílio de Sadler, colocam em prática quase tudo o que aprenderam nas Forças Armadas. Neste exato momento, eles não precisam atuar e falam o mínimo possível. Suas atitudes são instintivas, reflexos de anos de árduo treinamento e o resultado na telona é excelente. Atores de verdade talvez não fizessem melhor. Só que para obter este instante de beleza cinematográfica, o diretor precisou passar por todas as etapas anteriores. E aí fica uma pergunta: no cômputo geral, valeu a pena? Eu queria escrever sim, mas me vejo digitando não. O filme poderia ser infinitamente melhor se Timothée Chalamet, Lucas Hedges e John Boyega (atores com idades próximas a dos personagens), por exemplo, tivessem sido escalados para os papéis. Não foram e esta decisão reflete a coragem de um cineasta que, aos 87 anos, pode se dar ao luxo de fazer o longa que bem entender.

Desliguem os celulares e boa diversão.                  

Em tempo: Há uma cena pós crédito.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The 15:17 to Paris
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Spencer Stone, Alek Skarlatos, Anthony Sadler
Distribuição: Warner
Data de estreia: qui, 08/03/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN