CRÍTICA #2 | ‘Capitão Fantástico’ é uma catarse de amor

Bruno Giacobbo

Histórias de famílias que moram em um lugar ermo e vivem em uma espécie de comunidade alternativa são comuns. O leitor mais novo pode nunca ter ouvido falar, mas pergunte aos seus pais, ou avós, se eles não conhecem os Robinsons Suíços, personagens de um filme da Disney, de 1960, que, por sua vez, foi baseado num romance de 1812, escrito por Johann David Wyss. Há ainda, bem mais conhecidos, os meninos perdidos, garotos que participam de mil e uma aventuras ao lado de Peter Pan. Nos dois casos, eles vivem longe da sociedade considerada civilizada e enfrentam piratas. Dificilmente existe alguém no mundo que não goste destas histórias. São aventuras divertidas e emocionantes. Com um nome igualmente inspirador, mas uma pegada bem mais dramática, Capitão Fantástico (Captain Fantastic), dirigido e roteirizado por Matt Ross, retrata a rotina de um pai, Ben (Viggo Mortensen), e sua prole de seis filhos, em uma floresta. Eles moram numa cabana, caçam seu próprio alimento e costuram suas roupas. Tudo sem energia elétrica. À noite, a diversão é sentar em torno da fogueira, tocar violão ou ler um livro. De vez em quando, acompanhado do filho mais velho, Bo (George MacKay), o patriarca vai até a cidade só para comprar alguns suprimentos impossíveis de serem conseguidos no meio do mato. E, assim, a vida deles segue tranquilamente em ritmo de aventura. A tal pegada de drama dá o ar da graça quando um acontecimento força a família inteira a deixar aquele mundo para trás.

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A primeira cena do filme serve com cartão de visitas do que está por vir e nos deixa antever o belo trabalho de Ross. O cenário é verdejante, a mata densa. Um animal não sabe o que o futuro lhe reserva. Uma caçada. Do meio da folhagem, um menino surge quase do nada e abate a fera. O sangue é usado para marcar a pele do caçador mirim que, em seguida, come o coração. O que assistimos é o rito de passagem para a fase adulta. Um batismo pagão excelentemente dirigido por um cineasta que antes tinha rodado apenas um longa-metragem. Premiado no Festival de Cannes de 2016 com a láurea de melhor diretor, Matt Ross mostra não só por esta passagem, mas por todo o trabalho de condução de um elenco composto basicamente por jovens atores desconhecidos, que foi uma escolha mais do que digna dos jurados “franceses”. As exceções em termos de experiência, em relação aos intérpretes, são os veteranos Viggo Mortensen e Frank Langela. O primeiro, na pele do personagem título, dá um show e aparece como real candidato a uma indicação ao Oscar, algo que ele só conseguiu em 2007, por seu papel em “Senhores do Crime”. Com um ar de seriedade que mascara o amor que sente pelos filhos, compôs o personagem de um pai que acredita estar fazendo a coisa certa: a vida na floresta é dura, contudo, livre das desilusões da sociedade capitalista. E para cortar qualquer vínculo com esta, usa de subterfúgios como comemorar o aniversário do linguista Noam Chomsky em vez do Natal. Já o segundo se destaca na pele do avô que acredita em valores opostos.

Sob o manto desta mistura de aventura e drama, com algumas pitadas de comédia, o foco do filme, na verdade, está nas relações familiares. Apesar de sempre desejarem o nosso bem, pais são infalíveis? Não. No entanto, isto não invalida nada suas boas intenções e pais que amam com sinceridade seus filhos são, inclusive, capazes de reconhecer seus enganos. Tendo como ponto de partida a oposição existente entre os valores do pai e do avô, o roteiro de Capitão Fantástico explora muito bem esta questão. O conselho que Ben dá a Bo, quando este resolve correr atrás dos seus próprios sonhos, é tocante: “Quando fizeres amor com uma mulher seja gentil, carinhoso e ouça o que ela tem a dizer, mesmo que você não a ame. Embriague-se. Seja corajoso, audaz e viva como se fosse o último dia, pois a vida passa rápido. E não morra”. E se não bastasse ter momentos como este, de inspiração genuína, o texto dialoga com a bela trilha sonora que tem seu ápice em “Sweet Child O’ Mine”, música do grupo Guns N’ Roses, cantada por um coro de sete vozes e de um jeito bastante diferente do que os fãs da banda estão acostumados. Uma catarse de amor em um filme que tem como único defeito uma pequena falta de ritmo ao longo das suas quase duas horas.

Desliguem os seus celulares e ótima diversão.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
Título original: Captain fantastic
Direção: Matt Ross
Elenco: Viggo Mortensen, Frank Langella, George Mackay
Distribuição: Universal
Data de estreia: qui, 22/12/16
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 118 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN