CRÍTICA #2 | ‘Lady Bird: A Hora de Voar’ não é memorável, mas tem muitas qualidades

Renan Almeida

O cinema já nos apresentou variados tipos de histórias, das mais simples às mais mirabolantes. Histórias sobre a vida, sobre a morte, sobre a vitória e até mesmo sobre a derrota. Nas mãos de um bom roteirista e de um bom diretor, qualquer ideia pode ser convertida numa obra cinematográfica de qualidade, quem sabe até podendo se tornar memorável. Embora Lady Bird: A Hora de Voar, longa escrito e dirigido por Greta Gerwig, não seja exatamente memorável, possui sim suas qualidades. Contando uma história simples sobre amadurecimento e aprendizado, com fortes traços autobiográficos, o filme traz bons personagens e situações com as quais muitos poderão se identificar.

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Rodado em Sacramento, na Califórnia, uma cidade pouco explorada no cinema americano, Lady Bird nos apresenta à personagem-título, uma jovem de 17 anos (Saoirse Ronan) que assim insiste em ser chamada no lugar de seu nome, Christine. Ao contrário de sua mãe sistemática (Laurie Metcalf), a garota é desordeira e rebelde: seu cabelo tingido e sua insistência no apelido evidenciam uma adolescente que quer se diferenciar dos demais. É quase desnecessário dizer que sua alcunha remete imediatamente à ideia de um pássaro que almeja voar para longe, seguindo o próprio caminho, algo que o título em português fez questão de enfatizar. Christine estuda em um colégio católico e deseja ingressar em uma universidade na costa leste, enquanto sua mãe prefere que ela permaneça nas redondezas, onde possui maiores chances de encontrar uma instituição com mensalidade mais barata, já que a família da moça passa por uma situação financeira delicada.

Ao abrir com uma imagem de mãe e filha dividindo a mesma cama em um quarto de hotel, o filme nos comunica de antemão que será esse o fio condutor daquela história: a relação entre as duas. E se, no primeiro momento, somos levados a pensar que essa relação é harmoniosa, ao vermos ambas se emocionarem com uma fita que ouvem juntas no carro, logo depois percebemos a tensão causada pelas divergências de opiniões e personalidades, o que culmina num ato inesperado de Christine: se jogar do veículo em movimento. Segundo o pai da garota (Tracy Letts), tanto ela quanto a mãe possuem personalidades fortes, por isso frequentemente entram em atrito. Mas se, por um lado, perdoamos as atitudes da jovem por sua imaturidade e pouca idade, por outro, fica difícil proceder da mesma forma com relação à mãe. Em alguns momentos, é praticamente impossível não sentir que algumas situações são exageradas pelo roteiro para criar conflito.

Nesse sentido, o espectador reprova determinados comportamentos da protagonista, chegando mesmo a desgostar dela em alguns momentos (como quando se mostra extremamente insensível com seu irmão ou com sua mãe), mas isso é compensado com o aprendizado que diferentes experiências trazem a ela. É envolvente acompanhá-la aprendendo com seus próprios erros, descobrindo quem são seus verdadeiros amigos e as pessoas com as quais realmente deve se importar. Esse tipo de arco, a propósito, é bastante comum no cinema, conquanto seja bem executado aqui. Também deve ser somado ao rol de virtudes do longa o fato de contar com uma galeria de personagens intrigantes e bem verossímeis, além de não pintar os padres e freiras do colégio como caretas autoritários, o que seria uma armadilha fácil de cair.

Lady Bird também transita admiravelmente por diferentes pequenos dramas e, mesmo sem se aprofundar em nenhum deles, o faz de maneira orgânica e que contribui para humanizar os personagens, tornando-os mais verdadeiros. Assim, temos um vislumbre da luta do pai de Christine contra a depressão e de seu drama de não conseguir emprego por causa da idade, mesmo sendo muito qualificado. Do mesmo modo, não deixa de ser comovente a situação de um dos padres da escola, que, diante de uma perda pessoal, lembra não possuir ninguém a quem recorrer em momentos de sofrimento. Ou ainda, para citar um último exemplo, o garoto homossexual que, na possibilidade de ter seu segredo revelado, desaba em lágrimas.

Tão bons quanto os personagens são os atores que os interpretam. Todo o elenco está impecável, mas, sem dúvidas, quem se destaca são Saoirse Ronan e Laurie Metcalf, que, não à toa, receberam indicações da Academia de melhor atriz e melhor atriz coadjuvante, respectivamente.

Os aparelhos celulares hoje obsoletos, as canções de Alanis Morissette e Dave Matthews Band e o clima de pavor causado pelo terrorismo transportam o espectador, com a ajuda do bom design de produção, de volta ao início dos anos 2000. A direção de Gerwig, aliada à cinematografia de Sam Levy, é eficiente e precisa, sem invencionices visuais desnecessárias. A partir da segunda metade da projeção, contudo, problemas de ritmo começam a aparecer. Dessa maneira, o filme, apesar de curto, contando com breves 93 minutos, dá a sensação de ser mais longo, o que está longe de ser algo bom.

Em síntese, Lady Bird: A Hora de Voar é um filme leve que conta uma história ordinária. Por isso mesmo, pode tanto agradar, pela maneira como trata seus personagens e os acontecimentos na vida destes, como desagradar, por sua dificuldade em entreter.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Lady Bird
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts
Distribuição: Universal
Data de estreia: qui, 15/02/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 93 minutos
Classificação: 14 anos

Renan Almeida

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