CRÍTICA #2 | ‘Logan’ é o glorioso desfecho de uma saga que deixará saudades

Bruno Giacobbo

Dizem que é a primeira impressão que fica. Mas pode ser perfeitamente a última. Há 17 anos, o australiano Hugh Jackman começava a interpretar o mutante número um dos quadrinhos publicados pela Marvel. Ele não era a escolha inicial e muitos, na época, torceram o nariz. O promissor ator não tinha o físico do Wolverine. Era muito mais alto e, por isto, parecia bem mais forte. Tantos filmes depois, não existe a menor dúvida que nunca ninguém se pareceu tanto com o seu personagem. Nem Christopher Reeve, vivendo o Superman, nem o controverso Robert Downey Jr. como o dublê de Tony Stark e Homem de Ferro; e muito menos Chris Evans na pele do icônico Capitão América. Jackman é Logan na personalidade, nos maneirismos e no visual do seu cabelo rebelde. Até na compleição física, antes tão discrepante. Hoje, é impossível apontar uma diferença ao compararmos o Wolverine das revistas com o dos longas. Assim, quando o intérprete australiano anunciou que não viveria mais o personagem nos cinemas, todos, sem exceção, passaram a torcer para que o encerramento desta saga fosse magistral. E para a felicidade geral dos fãs, é isto o que acontece em Logan, dirigido e roteirizado por James Mangold.

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Baseada no HQ “Velho Logan”, a história se passa no ano (nem tão distante assim) de 2029. Não esperem uma terra pós-apocalíptica. O mundo é semelhante ao nosso. As coisas mudaram mesmo foi para os mutantes. Outrora super poderosos, temidos pela humanidade e vistos por alguns como o próximo passo da evolução, eles estão sumidos. Há 25 anos não nasce um. Idoso na aparência, o protagonista dá claros sinais de cansaço. Leva uma vida ordinária trabalhando como motorista de limusine e morando,  escondido, em um rancho desértico. Lá, com a ajuda de Caliban (Stephen Marchant), uma espécie de Nosferatu mutante, cuida de um debilitado Professor Charles Xavier (Patrick Stewart) que, aos 90 anos, sofre de convulsões que o impedem de controlar totalmente seus poderes mentais. E deste jeito o trio poderia permanecer para sempre se seu caminho não cruzasse com o de Laura (Dafne Keen), uma garota de 11 anos e poderes parecidos com os de Logan, e com o de Donald Pierce (Boyd Holbrook), um vilão de motivações inicialmente desconhecidas.

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Os aficcionados pelo literatura em quadrinhos já desconfiam que a menina é X-23, uma mutante. Dizer mais do que isto para aqueles que se aventuram na experiência cinematográfica sem um conhecimento prévio é correr o risco de estragar o prazer que esta obra proporciona em uma sala escura. Eu próprio, apesar dos meus anos como leitor dos gibis do X-Men, desconhecia esta história. O que importa são os desdobramentos da trama. Estes conduzirão nossos personagens em um inusitado road movie onde o objetivo é sobreviver. Não sem um estranhamento inicial, Wolverine se afeiçoará a Laura e aceitará levá-la de um lado ao outro dos Estados Unidos, até a Dakota do Norte, onde supostamente ficaria um lugar chamado Éden e que seria a casa de outras crianças como ela. Neste ínterim, caberá ao Professor, em seus esporádicos momentos de lucidez, desempenhar a função da razão que contrabalançará o instinto dos seus companheiros de viagem.

De fato, Mangold conseguiu fazer um filme magistral. A melhor e mais humana obra sobre mutantes (como se eles não fossem suficientemente humanos com sua origem que remete à luta pelos direitos civis dos negros, na década de 60). A questão é que este não é somente um longa de super heróis. Seguindo a linha de “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2009), que em sua concepção se assemelha ao cult “Fogo contra Fogo” (1995), se trocarmos o protagonista pelo típico homem comum e sem dons especiais, isto fará pouca diferença para a trama. Na verdade, Logan é um Dirty Harry futurista. Tal qual o emblemático personagem interpretado por Clint Eastwood, ele é o mocinho, mas muitas vezes tem atitudes de um anti-herói. Ambos não necessitam de amor, embora já tenham amado, e não são virtuosos como os supracitados Superman e Capitão América. E aqui, mais do que nunca, ele mata como quem fala “go ahead, make my day” entre um trago e outro. Tudo visceralmente violento.

Logan é o glorioso desfecho de uma grande saga que começou desacreditada e deixará saudades. Com sua fotografia que transita entre a aridez dos cenários iniciais e os tons soturnos que aprofundam o viés psicológico do protagonista; é um longa em que se pode fazer pouquíssimos retoques na parte técnica e isto tudo sem abrir mão daquele que, para mim, é o elemento primordial da Sétima Arte; e diversas vezes é negligenciado por filmes deste naipe: as atuações. Mais do que segurar as pontas, o trio formado por Jackman, Stewart e Keen brilha intensamente. E, tirando a garota que faz seu debut, chega a ser triste ver como os dois veteranos são pouco valorizados no cinema. Juntos, acumulam apenas uma indicação ao Oscar (o primeiro, por “Os Miseráveis”, em 2013). Já poderiam ter mais e mais ainda estar por vir. Quem sabe agora? É cedo, mas a película de Mangold tem potencial para se tornar a pioneira entre as obras do subgênero de heróis a conquistar uma vaga na categoria principal. Haja campanha até lá! Contudo, nada impossível para quem tem em seu elenco um ator duas vezes ganhador do Tony (Jackman) e um intérprete shakespeariano (Stewart).

Desliguem seus celulares e excelente diversão.

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FICHA TÉCNICA:

Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Scott Frank, Michael Green
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen
Distribuição: Fox
Data de estreia: qui, 02/03/17
País: Estados Unidos
Gênero: ação
Ano de produção: 2017
Classificação: 18 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN