CRÍTICA #2 | Individualidade reprimida dá o tom em ‘Moonlight: Sob a Luz do Luar’

Luigi Martini

Chiron é um certamente menino triste, de olhar acuado, poucas palavras, mesmo assim, um menino triste. Vive numa comunidade pobre da Miami invadida pelo comércio de crack dos anos 1980 – época também conhecida pelo boom cocaínico de Pablo Escobar nessa região – onde sofre com convulsões familiares, passando pelo autoconhecimento e seus respectivos questionamentos acerca de sua sexualidade, consequências na adolescência e o conflito interno com seu novo Eu na vida adulta. O segundo longa-metragem do escritor e diretor Barry Jenkins, Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight), – nome que deve ser anotado ainda mais por conta desse fato – nos oferece um drama onde poucas palavras são quase que desnecessárias quando se deseja transmitir o sentimento e as angústias de um ser humano.

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O enredo é dividido em três atos: o primeiro é sobre infância de Chiron (Alex Hibbert) e sua relação com os pais separados; os enfrentamentos mais diretos com os colegas da escola e o agravamento tensional familiar na adolescência (Ashton Sanders como adolescente); e na maioridade frente a sua transformação individual aparente (Trevante Rhodes como adulto).

Indicada ao Oscar 2017 pelo papel, Naomi Harris encarna grandiosamente o lado que de materno não pode assim considerar-se. A insignificância irônica e atrevida da mãe para com “Black” (apelido que ganha de um grande amigo) é certamente incômoda para quem assiste. Também indicado por sua atuação, Mahershala Ali é o pai e traficante de drogas que, por mais que tenha seguido um mau caminho e tenha se arrependido por isso, carrega consigo um amargo traço de humanidade. Enxerga, entre poucos, o olhar timidamente puro de seu filho e faz de tudo para que ele não seja corroído pelos males de sua condição.

Destaque para a fotografia e trilha sonora. A fotografia se divide em contrastes de luzes naturais onde a beleza evidencia o porquê do título do filme, e em contrastes de cores artificiais e câmera lenta, onde evidencia os traumas do personagem de maneira onde o detalhe do ódio e da inocência devem ser muito bem percebidos. A trilha é composta basicamente de música clássica – o que preenche de emoção a Mise-en-scène, ao mesmo tempo em que harmoniza com a intenção da fotografia  – e até surpreendentemente com Caetano Veloso no terceiro ato – uma boa montagem por sinal.

A obra é certamente fiel a uma digna construção de personagem, ou o que no cinema se chama “estudo de personagem”. É interessante ver como a história afeta o indivíduo. Nossa história é nossa identidade, ou nas palavras de Marcus Garvey: “Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”. A vida de Chiron sempre foi “assombrada” por sua subjetividade (mundo interno) e isso é, na verdade, o que ele é por essência e o que deveria de fato existir; em outras palavras, sua definição mais autêntica de individualidade. Por isso, a história demonstra e vai à raiz desse ser, revelando suas contradições, contemplações, questionamentos internos que, por fim, desencadeariam em sua verdadeira personalidade, e não exatamente através daquilo que o destino provocou ocasionalmente, ou o que a razão acabou determinando.

É notável isso quando, no ato final, o personagem, agora aparentemente muito diferente daquilo que era, ainda se depara desconcertado após uma ligação de seu amigo da fase adolescente cujo qual o proporcionou uma experiência frustrante e, ao mesmo tempo, a mais reveladora sobre si e sobre o que poderia ter se tornado caso não fossem por seus traumas familiares, desconfortos internos, repressões sociais, e, no caso, no universo negro brutalmente machista sobre o que é o imperativo predeterminado a se seguir para o resto da vida e que no final nada mais é que o princípio de todo tipo de preconceito e de toda ordem social: ser como eu quero que você seja.

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FICHA TÉCNICA:

Título original: Moonlight
Direção: Barry Jenkins
Elenco: Mahershala Ali, Naomi Harris, Janelle Monáe

Distribuição: Diamond Films

Data de estreia: qui, 23/02/17
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 111 minutos

Luigi Martini

Estudante de publicidade e futuro professor em estudos da comunicação, tecladista de uma banda alternativa em desenvolvimento e alguém que procura pensar sobre a vida e seus pertences através de filmes.
NAN