CRÍTICA #5 | ‘Mulher-Maravilha’ é sensacional, representativo e deixa aquele gosto de “quero mais”

Natalia Gulias

Mulher-Maravilha é aquele longa-metragem que apresenta vários exemplos de “mulheres-maravilhas” e de um mundo que exclui a força das mulheres.

O recém estreado filme de super-heróis poderia seguir a mesma linha que os outros que emplacaram nos últimos anos. No entanto, há muito o que se falar sobre a personagem eternizada pela israelita Gal Gadot e todas as simbologias e críticas sociais carregadas por esse longa-metragem extremamente atual e certeiro.

A personagem principal dispensa grandes apresentações na maioria dos casos, pois nas animações, que a maioria dos fãs que assistiram ao filme nas telas acompanhavam durante a infância, a Mulher-Maravilha geralmente recebia um destaque secundário. Em um longa com duas horas e meia dedicadas inteiramente à história dela, podemos ver muito mais do que a guerreira que faz parte da Liga da Justiça. Por trás da face de “amazonas”, encontramos uma história fascinante que revive a mitologia grega que há tanto tempo sagas como Percy Jackson tentam trazer de volta à moda. A forma como a mitologia é abordada no filme vem na medida certa e torna a história viciante com perguntas rodando a cabeça do espectador durante o filme, como: “Qual a verdadeira origem de Diana, a Mulher-Maravilha?”.

Além da questão do enredo em si, a escolha do cast foi precisa. Gal Gadot traz a esse live action uma chuva de representatividade da força da mulher negada durante os tempos de guerra em todos os anos da história: Gadot é israelita e serviu ao exército de seu país, atualmente em guerra com o Líbano. Diana é a filha da rainha de uma ilha em que todos os habitantes são mulheres guerreiras criadas por Zeus e que tem o objetivo de manter a paz na guerra e o simbolismo presente nesse conceito é enorme. O mundo atual vive diversos conflitos por dinheiro, ambição, terras, poder. Entre tantas ideias inseridas nas cabeças dos seres humanos, seriam as guerras causadas apenas por Ares, o deus da guerra, ou os humanos que conduziam as guerras por si próprios?

Além disso, é preciso comentar a presença de um dos maiores símbolos de poder político nas séries de televisão atuais: Claire Underwood. A esposa do presidente dos Estados Unidos em House Of Cards – que tem total poder sobre o governo na série – ocupa o espaço de ser a inspiração de força de Diana: A Antíope. A atriz Robin Wright traz ao filme ares de puro poder, tanto emocional quanto físico, por ser impossível não relacioná-la ao seu papel em House Of Cards, ao representar aquela que treina a guerreira que está disposta a salvar o mundo da guerra e da destruição.

Ter uma diretora mulher e uma produção sensacional de Zack Snyder para trazer aquela fotografia mais sombria de Batman V Superman foi incrível. Patty Jenkins fez um trabalho sensacional dando foco para a personagem principal de forma nenhum pouco forçada, se adequando à identidade do último filme de Batman V Superman e deixando os fãs ansiosos para “Liga da Justiça”.

A ironia presente nos momentos em que os homens tentam impedir a guerreira Diana de entrar no conflito para matar Ares é cômica – e na medida certa, sem exageros –, uma vez que ela nunca havia experienciado um momento em que um homem exerce o poder patriarcal sobre ela, simplesmente pois não existe patriarcado em uma ilha em que todas as mulheres são fortes, guerreiras treinadas e com tanto acesso à educação – poliglotas e com acesso à literatura grega.

No mundo atual, com o qual Diana se depara ao sair da barreira da ilha, as mulheres ainda possuem menos acesso à educação e a esportes de alto impacto, porém essa não é uma realidade para as amazonas. Diana não entende porque não pode entrar nos lugares onde as guerras são discutidas e realizadas, justamente porque as mulheres devem ocupar esses espaços também e durante toda a sua vida, homens não tiveram o poder de impedí-la – essa parte do filme é sensacional. Porque a guerreira mais bem treinada que todos os homens naquelas salas não podia ocupar aqueles espaços? Porque era esperado que ela se vestisse de certo modo? Porque era esperado que ela não lutasse? Diana não entendia isso e a reação dela coloca em dúvida a questão de:  “Como uma sociedade se voltou inteiramente a reduzir as mulheres a seres presos aos eletrodomésticos da cozinha em vez de lutar na guerra ao lado dos homens?”

Certos momentos do filme fazem o sorriso abrir gigante e o coração palpitar de felicidade, pela representatividade causada pela personagem principal. Ser uma mulher e ver uma heroína nas telas dos cinemas é uma sensação indescritível e emocionante. A adrenalina que Diana traz às suas telespectadores é sensacional. Em uma passagem do filme, Steve sugere ir aos homens que podem acabar com a guerra e Diana responde: “Eu sou o homem”. Nesse momento, no começo do filme, senti que precisava levantar da minha cadeira e aplaudir, mal sabia eu que sentiria essa mesma sensação em vários outros momentos do longa. Encontrar uma heroína que lidera completamente a luta sem precisar da ajuda de homens só me deixa extasiada e me deixa feliz pelas meninas mais novas que assistirão a esse filme e se sentirão tão poderosas quanto Diana, oportunidade a qual eu e muitas mulheres mais velhas que eu não tivemos.

A película planta na mente de pequeninas que elas são tão fortes quanto os homens, experiência que a maioria dos meninos já tiveram ao assistirem longas como “Homem Aranha”, “Batman”, “Superman”, “Homem de Ferro”, entre outros. A iniciativa dá esperança para que se cultivem a história de outras personagens femininas fortes, sem a sexualização excessiva da maioria das tentativas passadas – “A Mulher Gato”, por exemplo – e as tratando de igual para igual com os heróis.

A Mulher-Maravilha é feminista? Apesar de não assumir explicitamente esse papel, Diana tem em si um dos maiores símbolos do feminismo: a força da mulher. A ideia de que mulheres e homens são iguais socialmente é clara para a guerreira, especialmente nos momentos que tentam impedi-la de participar dos eventos. A Mulher-Maravilha não é um atrativo masculino como a maioria das personagens femininas em jogos, quadrinhos e desenhos animados de super-heróis. Ela não é sexualizada, usa roupas condizentes com o clima de sua ilha e não possui saltos altos: Ela é uma guerreira, não é uma imagem a ser vendidas para homens, e sim, para todos, especialmente mulheres.

É interessante considerar que a paz parecia reinar até que um homem, Steve (Chris Pine), atravessa a barreira da ilha. Aliás, a heroína se dispõe a acabar com a destruição, já que acredita no amor. Então, a mulher-maravilha mata. Longe de se envolver com as contradições um pouco hipócritas discutidas em Batman e Superman, Diana realmente não nega que precisa matar a fonte do mal para fazer reinar o bem, pois são necessárias medidas extremas em momentos extremos.

O maior vilão da trama, porém, pode parecer Ares, na forma daquele que tenta ajudá-los. Se olharmos com mais delicadeza, o discurso de Ares é atual ao comentar que ele apenas implanta ideias de destruição e não obriga os humanos a se matarem, eles fazem isso por conta próprias. O vilão principal é, na verdade, Dra. Veneno, uma mulher, demonstrando que mulheres podem ocupar espaços fortes tanto do lado bom, quanto do lado ruim e desmistificando a relação das mulheres com a bondade e com o lado emocional, como acontece na maioria das vezes. Dra. Veneno recebe as ideias de Ares e as usa para criar uma máquina mortal que permitiria com que a guerra continuasse. A vilã principal remete muito à Amanda Waller de Esquadrão Suicida, personagem forte sem ter uma necessidade grande de ser do bem.

O filme é incrível, principalmente para as mulheres que viveram a infância precisando assistir heróis protagonizando os desenhos de programas como “TV Globinho” e “Bom Dia e Cia”, a espera foi longa, porém vale à pena e o dinheiro na hora de escolher o filme no cinema. É sensacional, representativo e deixa aquele gosto de “quero mais”. A esperança para que Gal Gadot tenha tanto destaque em Liga da Justiça quanto os outros heróis recebem é grande, mas, por agora, Mulher-Maravilha não desaponta.


FICHA TÉCNICA

  • País: Estados Unidos
  • Classificação: livre
  • Estreia: 1 de Junho de 2017
  • Duração: indisponível
  • Direção: Patty Jenkins
  • Roteiro: Jason Fuchs
  • Elenco: Gal Gadot , Chris Pine , Robin Wright , David Thewlis , Lucy Davis , Danny Huston ,Ewen Bremner

Natalia Gulias

Uma vestibulanda de medicina de 17 anos usa seu curto tempo livre para ler bastante e descansar da pesada rotina de estudante.
NAN