CRÍTICA | ‘A Casa de Papel’ é uma ótima série, mas aquém das expectativas

Stenlånd Leandro

O famoso termo ”Maria Vai Com as Outras” é uma expressão popular antiga que é usada normalmente em uma pessoa que demonstra não ter opinião ou vontade própria, com dificuldades em tomar decisões. E assim me tornei aquela Maria que acabou indo pelo famoso hype e tamanha divulgação que havia na internet sobre A Casa de Papel (La Casa de Papel). Confesso que, para início de conversa, não me senti muito convidado a assistir uma das séries mais faladas da Netflix. Como ultimamente tenho concedido o benefício da dúvida, fui ver se este seriado chegaria aos pés de fenômenos como “Dark” e “Star Trek”, ainda que não possuam gêneros semelhantes.

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Por norma, uma Maria vai com as outras tem pouca personalidade, pois se deixa convencer com facilidade, e não costumo agir assim. Precisamos sim, considerar que, esta se tornou um fenômeno no Brasil após ser lançada sem muito alarde pela Netflix, Bem, já aviso de antemão que A Casa de Papel é boa, mas não é tudo isso que estão falando. Não me interpretem mal, visto que a série tem seu charme, sua inteligência e todo um propósito, no entanto, está aquém da expectativa.

Terceira temporada de La Casa de Papel chegará em 2019

ALERTA! ALERTA! HÁ SPOILERS ABAIXO!!

Em 2005, era realizado no Brasil o maior assalto a banco da história do país. Quase R$ 165 milhões foram levados da caixa-forte do Banco Central do Brasil, em Fortaleza, no Ceará. Três meses antes do roubo, a quadrilha alugou um imóvel a cerca de 80 metros do Banco Central. Com a desculpa de reformar o local, cavou um túnel até o banco. Uma empresa de fachada que, supostamente comercializava gramas sintéticas, foi usada para não levantar suspeitas com a movimentação de terra retirada do túnel. A obra ficou pronta em três meses e tinha sistema de ar-condicionado e energia elétrica. Em A Casa de Papel, não temos uma empresa de grama sintética, mas temos um local que aparenta fazer sidras para consumo.

De cara, toda a trama se mostra envolvente, visto que, para entender o título, basta saber um bocado sobre essa narrativa. Um grupo de não ladrões tem a ideia estapafúrdia de roubar a Casa da Moeda da Espanha, seguindo praticamente tudo o que foi descrito assim sobre o assalto ao Banco Central no Ceará. Simples, correto? Então, de cara, imagina-se que há reféns, há armas etc. O propósito do seriado é imprimir o máximo de dinheiro possível em um certo período de tempo antes de deixar o local. Diferente da maioria dos roubos que teriam uma quantia limitada de dinheiro, lá estariam fabricando – e ao mesmo tempo ganhando tempo se considerarmos que a polícia não pode invadir o local, ou a opinião pública ficaria contra eles.

O que vem a ser o “Cavalo de Troia” da série, é seu professor, vulgo Salva ou Sérgio. Este professor é o volante que guia todo o assalto. É ele quem dita o que o grupo fará, quando e onde, isso inclui até mesmo sair da Casa da Moeda por instantes, ou solicitar um médico para atender um possível ferido. O professor é um cara engenhoso e faz com que cada membro do grupo de assaltantes jamais saiba o nome de cada um, e que não haja relacionamentos entre eles. São duas mulheres e seis homens que, de início, parecem fazer todo plano funcionar perfeitamente, entretanto, há pontas soltas. Antes de falarmos delas, boa parte da série são picotes de filmes. As máscaras para confundir reféns dos ladrões, por exemplo, foram usadas em “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, enquanto outras cenas que não mencionarei, recordam filmes como “O Grande Roubo”, com Donald Sutherland, e o “Grande Truque”, com Christian Bale e Hugh Jackman.

PONTAS SOLTAS E ERROS DE SCRIPT?

As pontas soltas da série são diversas. Em uma ação desenfreada, levada pela emoção, uma pessoa do grupo de reféns é baleada. Nossa bela atriz Itziar Ituño, que interpreta Raquel, uma policial durona, mas que cede facilmente seu coração para um galanteador, solicita que uma equipe médica se desloque sei lá de onde, que levaria cerca de 15 minutos para chegar no local do assalto. Enquanto eles aguardam essa equipe de cirurgiões, do lado de fora há uma ambulância que os paramédicos poderiam, por exemplo, ajudar esse rapaz que tomou um tiro, e quem sabe até fazer a operação de suturar. Só que ao invés disso, Raquel entra na ambulância e pede pra dar uma voltinha em cima da maca simplesmente por ela estar zonza? Como não bastasse essa loucura, em um certo momento da trama, há inúmeros disparos dentro da Casa da Moeda (Operação Versailles), então, de imediato, os policiais fazem ligação para o professor e perguntam o que estaria havendo. O problema nem são os tiros, mas em duas outras situações ocorreram disparos lá dentro e a polícia nem estava aí.

Outra coisa que também incomodou foi o número de reféns escolhidos para serem figurantes. Se você vai assaltar uma local desse tipo, onde há pouca circulação de gente e tem a filha do embaixador lá dentro, tanto faz se há 64 pessoas ou 10, desde que haja a filha do embaixador lá dentro, certamente qualquer número seria irrisório se comparado à vida dela.

Mais um detalhe que precisa ser levado em consideração: como assim uma mulher (Tokyo) em cima de uma motocicleta é metralhada por toda polícia mais um atirador e não acertam sequer um tiro nela, no entanto, atingem outra pessoa que estava em frente ao local? O foco dos tiros era ela, mas eram tantos policiais que não acertavam absolutamente nada, parecendo ser um Rambo da vida! E olha que nem profissionais são! De repente a mulher me vira a melhor motociclista que já vi em toda minha vida. Ah vá!

O AMOR É LINDO

Apesar de estarmos falando de uma série que lida com aproximadamente todos os 19 episódios, sendo 13 na primeira e 6 na segunda, ainda há espaço pra namoros e paqueras. Não posso falar quem se apaixona por quem, afinal seria um baita spoiler, mas é evidente de que tudo fica ainda pior, para ambos os lados, quando há o envolvimento de um casal, onde certamente, por amor, você protegeria muito mais aquele que ama do que um desconhecido que está no plano contigo.

ATUAÇÕES E DUBLAGENS

Uma coisa é certa: não estamos diante de um Titanic com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. A Casa de Papel tem muita coisa boa – e põe coisa boa nisso, mas quando as atuações não ajudam, o que fazer? A série, que está disponível na Netflix (a 1ª temporada), tem uma dublagem em português que está OK, boa até se considerarmos que as vozes se encaixam muito bem com os atores. Não há uma que possa mencionar que ficou ruim, mas está longe de ser o melhor que o título tem a oferecer. Já a voz original em espanhol dá nos nervos. Com exceção de Berlim, as demais vozes são extremamente irritantes, é serio!

É aí que vimos que as atuações estão “meia boca” e muito aquém do que o pessoal aqui fora diz que o seriado é. Aliás, todo esse burburinho diante de um hype altíssimo sem precedentes fez com que A Casa de Papel tivesse um alto número de views, mas não necessariamente vão concordar que é tão sensacional assim. Todas as atuações, com exceção de Itziar Ituño, fracassam em um ponto ou outro. O psicopata Berlim (o chefe dos capangas dentro da Casa da Moeda), por exemplo, lembra muito Coringa também de “Batman: O Cavaleiro das Trevas”. Só que o Coringa não tem uma doença degenerativa, como Berlim tem, então ele age por um impulso doentio muito sem noção, soando forçado demais. O Oslo é como água de salsicha, ou seja, está apenas dentro da lata para criar um peso desnecessário ao seriado. Seu ‘irmão’ Helsinki também não é lá grandes coisas. Ele aparece mais que Oslo, mas em questão de conquistar a atenção do público, fracassa facilmente. Não conseguia olhar para as cenas em que ele estava, uma vez que era algo degradante e sem brilho.

As narrações de Tokyo que acompanham as histórias de cada um, diga-se de passagem, são um atrativo à parte, sendo feitas de forma tão lúgubre que mexe com o íntimo da sua alma de acordo com o foco da trama abordada em cada instante. Utilizando sempre frases curtas e objetivas, mas com uma trilha sonora impecável de fundo, refletindo com precisão o ritmo específico da trama da série.

Certamente, parte da trama surpreenderá o público feminino. As personagens (são três protagonistas femininas) são mulheres fortes apresentadas pelo drama engrandecido por elas e que, apesar de “protagonizado”, em sua maioria por homens, condiciona as ações destes às determinações das moças que os cercam. Não há como negar que, neste ponto, o seriado tem um grande destaque positivo.

TRILHA SONORA NÍVEL HANS ZIMMER

Ainda há pessoas que não se importam muito com a trilha sonora, seja de um filme ou série. Mesmo que você nunca tenha ouvido falar do nome IVAN M. LACAMARA, esteja certo de que Hans Zimmer, de alguma forma, o influenciou. Apesar de a primeira temporada ser oca e mouca quando o assunto é a ambientação, o que é pouco provável na maioria dos seriados, você definitivamente comparará boa parte das composições de Ivan a Hans Zimmer. Se não foi em “Interestelar” que Lacamara pegou influências para boa parte das faixas, juro que não sei onde foi. Durante toda a duração da segunda parte do seriado, fiquei anestesiado com a competência do compositor em maximizar toda aquela sensação de perigo, tensão e alívio. Não acredita? Assista à cena abaixo e diga que a trilha de fundo não parece com o que Zimmer fez para Interestelar na cena da acoplagem e também na parte da onda quando Anne Hathaway tenta voltar à nave… Será uma heresia dizer que não tem nada a ver.

FIGURINO, FOTOGRAFIA E AS SEMELHANÇAS COM ‘V DE VINGANÇA’

Existe uma poesia visual que permeia o trabalho dos responsáveis pela fotografia de A Casa de Papel. Por ter assistido quase toda a série focado em referências, não consigo pensar em outra senão “V de Vingança”. Em A Casa de Papel, nossos ‘heróis’ estão de uso da máscara de Salvador Dalí, mas é preciso frisar tamanha semelhança com as máscaras, assim como a vestimenta vermelha que lembra a capa do DVD de V de Vingança. Claro que Dalí e Guy Fawkes não se parecem, entretanto é quase certeza que, além de mostrar o dia a dia dos bancos que roubam as pessoas, essa tendência de roubar dos ricos para oferecer aos mais necessitados, é uma semelhança entre o Professor e V (interpretado por Hugo Weaving). Assim sendo, temos um seriado tão contestador e corajoso quanto “V de Vingança” foi outrora.

Tanto lá como aqui, os políticos corruptos servem para inspirar a arte e fazer com que a população enxergue os atos da polícia, totalmente corruptível e mentirosa na sua forma mais torpe, quanto os bancos que extrapolam na taxa de juros cobrada à população em inúmeras operações financeiras e continuam enriquecendo escrachadamente. Claro que não esperamos aqui que os cidadãos comecem a invadir a Casa da Moeda e tentem fazer justiça com as próprias mãos. A mensagem está longe de ser essa, mas é preciso entender que a corrupção está em todo o lugar e talvez, por essa razão, tivemos o gigantesco assalto no Ceará.

A fotografia mostrou uma certa evolução. Os ângulos de filmagem são um dos melhores e, apesar de se passar num cenário bem pequeno, a iluminação ajudou muito nos momentos em que tudo era voltado para dentro da Casa da Moeda, local que aparentemente é escuro, só que não fica tanto, até pela escolha da cor da vestimenta do pessoal, sendo ladrões ou reféns.

A ideia principal do professor não é somente o roubo, mas transformar a opinião pública contra o governo e a polícia. Lembram da cena onde todos vestiam a máscara de V, apoiando-o contra aquele governo totalitário? O ideal como um todo é justamente isso. Além de efetuar o maior roubo que a Espanha já sofreu, a meta também é por a população contra todos que se intitulam corretos, ou seja, a polícia e o governo. É uma série habitada por personagens secos, nem todos cruéis e violentos como HELSINKI & BERLIM, para os quais a ideia de “redenção” envolve, necessariamente, roubar a maior quantia possível de dinheiro do país e nada além disso. Nem todos que estão no seriado são amorais por princípio, como é o caso de Berlim, mas não deixam de ser figuras que sequer buscam justificativas internas para seus atos. Sempre alguém morre nesse tipo de show ou está prestes a morrer e há sempre um salvador que pula para ajudar o outro. É assim em quase toda a metade da primeira temporada. O diálogo dos protagonistas e antagonistas chega a ser surreal em certos momentos e, certamente, você irá se enganar quando pensar que aquele que pensava que era o herói infalível, na verdade, é completamente desequilibrado e passará a virar a casaca.

É necessário frisar que A Casa de Papel é uma ótima série, mas não é tudo isso que andam falando por aí. Há o que aplaudir, mas também o que vaiar. Há pontas soltas, mas temos algumas atuações que valem o esforço. A semelhança de alguns personagens com “V de Vingança” e o Coringa fazem deste seriado algo no mínimo interessante, mas que tem um serie finale aquém do esperado. Sinceramente, a cena final foi a coisa mais ridícula do programa. Poderiam ter aproveitado melhor, infelizmente.

::: TRAILER

https://youtu.be/ANNk3E0YGRU

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: La Casa de Papel
Direção: Alejandro Bazzano, Alex Rodrigo, Javier Quintas, Jesús Colmenar, Miguel Ángel Vivas
Roteiro: Alex Pina, David Barrocal, Esther Martínez Lobato, Esther Morales, Fernando Sancristóval, Javier Gómez Santander, Pablo Roa
Elenco: Alba Flores (Nairóbi), Álvaro Morte (Professor), Darko Peric (Helsinki), Enrique Arce (Arturo Román), Esther Acebo (Mónica Gaztambide), Itziar Ituño (Raquel Murillo), Jaime Lorente (Denver), María Pedraza (Alison Parker), Miguel Herrán (Rio), Paco Tous (Moscou), Roberto García Ruiz (Oslo), Úrsula Corberó (Tóquio), Kiti Manver (Mariví), Pedro Alonso (Berlim)
Gênero: Ação, Drama, Policial, Suspense
País: Espanha
Ano: 2017
Estreia: 2 de Maio de 2017 (Mundial)
Classificação indicativa: 16 anos

Stenlånd Leandro

Leandro não é jornalista, não é formado em nada disso, aliás em nada! Seu conhecimento é breve e de forma autodidata. Sim, é complicado entender essa forma abismal e nada formal de se viver. Talvez seja esse estilo BYRON de ser, sem ter medo de ser feliz da forma mais romântica possível! Ser libriano com ascendente em peixes não é nada fácil meus amigos! Nunca foi...nunca será!
NAN