CRÍTICA | ‘A Casa que Jack Construiu’ é brutal. Em todos os sentidos

Giovanna Landucci

A California Filmes trouxe com exclusividade, antes da estreia em circuito nacional, para exibição na Mostra Internacional de São Paulo, A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built), um filmaço, que merece a atenção dos amantes da filmografia de Lars von Trier, fãs do gênero “gore” e também para quem gosta de longas carregados de drama, intensidade e terror. A classificação indicativa de 18 anos já demonstra o que vem pela frente, uma obra visceral, que precisa ter estômago e frieza para assistir, mas que traz uma profundidade de analogias, metáforas e análises muito interessantes. A película é dividida em atos, como uma peça teatral, que são chamados de “incidentes” e construída em formato de documentário, contendo uma espécie de entrevista, que remete à “Ninfomaníaca”, com planos fechados de câmera.

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O longa retrata a alma de um psicopata que, literalmente, não sente nada, é apático às mortes que ele arquiteta, porém demonstra uma visão sensível de um artista que compõe fotografias, retratos e imagens com os corpos de suas vitimas. O serial killer, denominado “Senhor Sofisticação”, se considera um engenheiro-arquiteto e tem objetivos certeiros de como vai realizar cada morte. O estopim para que ele começasse a colocar para fora esse lado psicopático é uma impaciência após um encontro em uma estrada com a personagem de Uma Thurman, para quem Jack (Matt Dillon) dá uma carona forçada e a leva a um mecânico para que ela trocasse seu pneu. Ao longo da trama, em todas as cenas de assassinato, a falta de paciência é sempre uma espécie de válvula de escape para matar suas vítimas. Por algum motivo, ele não aguenta conviver muito tempo com as pessoas à sua volta.

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A primeira tomada de cena é bem interessante. Acontece sem imagens, uma tela negra e os diálogos em off entre dois personagens: Verge (Bruno Ganz) e Jack. Sim, Verge traz a referência histórica de “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri e das obras gregas Tártaro, Campos Elisios e Hades da mitologia, em que o espectador se perguntará qual o inferno que está sendo retratado e que só terá sua resposta no final, agora com as imagens do que está acontecendo durante a entrevista entre Jack e Verge. A claustrofobia que estas cenas geram demonstram o personagem perdido em seus próprios pensamentos e fazem alusão, talvez, à personalidade do próprio von Trier como uma espécie de autocrítica. Em termos de referências religiosas, o oposto do céu é o inferno e o grande arquiteto divino constrói a casa do Senhor. Será que a maldade de Jack, representada pelo inferno existente dentro de si, é o que o faz fracassar em construir as casas que tanto deseja?

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Foto: California Filmes / Divulgação

Repleto de linguagens da semiótica, de imagens projetadas entre os takes, fazendo alusão a um grande Frankenstein, porém, muito bem costurado, A Casa que Jack Construiu tem significados escondidos que geram pano para manga e longas discussões após a exibição do filme, pois cada um vai sair do cinema com diversas sensações diferentes e conseguirá captar a obra de maneira distinta entre si dependendo da quantidade de referências históricas, artísticas e bagagem cultural a pessoa tenha. Uma obra rica em significados e metáforas com tom sádico e irônico, que vale a pena assistir por toda a composição artística e não somente pela trama em si.

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Os efeitos de câmera e a mescla de cores frias com tons pasteis trazem a década de 70 embalada por uma tomada que transita em movimentos que remetem ao de olhar de uma terceira pessoa, criando um ambiente sufocante para o que vem pela frente. As falas de Jack pausadas trazem um ar melancólico que combina com os tons azulados e acinzentados utilizados. Raramente você verá cores fortes, somente quando o personagem cria as fotografias com os corpos das vitimas ou demonstra uma paixão que traz uma paleta solar.

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Foto: California Filmes / Divulgação

Durante toda trajetória acompanhando Jack contando sua história, o espectador cria uma certa empatia com o personagem, o que pode parecer estranho, e acaba torcendo pelo vilão conseguir se dar bem no final, como uma espécie de redenção. Ao final da projeção de A Casa que Jack Construiu, o cinéfilo sai com um suspiro de alívio depois de ver tantas cenas brutais e geradas com apatia pelo serial killer. Veja os horários de exibição na Mostra de SP.

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*Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The House That Jack Built
Direção: Lars Von Trier
Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman
Distribuição: California Filmes
Data de estreia: qui, 01/11/18
País: Dinamarca, França, Suécia, Alemanha
Gênero: terror
Ano de produção: 2018
Duração: 155 minutos
Classificação: 18 anos

Giovanna Landucci

Publicitaria de formação, sempre gostei de escrever. Apaixonada por filmes e séries, sim, posso ser considerada seriemaníaca, pois o que eu mais gosto de fazer é maratonar! Sou geek principalmente quando falamos de Marvel e DC. Ariana incontestável, acho que essa citação de Clarice Lispector me define "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar." Ah, como é de se notar pela citação, gosto de livros e poesia também.
NAN