CRÍTICA | ‘A Espiã Vermelha’

Alvaro Tallarico

A espiã que amava.

Uma gentil senhora rega sua plantinha, vê uma notícia no jornal e vive sua rotina de terceira idade tranquilamente. Até que o Serviço Secreto Britânico bate à sua porta e a leva presa acusada de espionagem.

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Judi Dench, atriz de renome e enorme talento, vive Joan em A Espiã Vermelha (Red Joan). Nem preciso dizer que sua atuação é ótima… Sua face de constrangimento, os momentos de lembranças e sofrimentos; os arrependimentos. Enquanto as mentiras saltam e as verdades se revelam, Judi expressa diversos sentimentos conflitantes com o talento de sempre. Olhares furtivos e pequenos movimentos que traduzem as vergonhas e os orgulhos da personagem.

Alegando inocência, Joan vai sendo interpelada pelo Serviço Secreto Britânico. Enquanto é interrogada, os flashbacks mostram sua história. Entrando ingênua e cheia de potencial na universidade para estudar física. Conhecendo a estudante russa Sonya (Teresa Srbova) veterana do sugestivo curso de Línguas Modernas que entra pela sua janela e pede uma roupa emprestada, demonstrando fascínio por seu casaco de vison. Início de um plano de recrutamento?

Sonya convida Joan para ver um filme. Na verdade, é uma desculpa para uma reunião socialista. Surge então Leo Halich (Tom Hughes), primo de Sonya, líder comunista, um aparentemente frio servo obediente. Joan logo o percebe e eles se entreolham. A atração fica inegavelmente explícita. Porta aberta para a manipulação e o direcionamento ideológico. Ou para o amor? O materialismo e a racionalidade permitem amar?

Foto: California Filmes / Divulgação

De volta ao presente, Ben Miles vive o filho de Joan, que vai se surpreendendo e fica cada vez mais assustado ao descobrir velhos segredos da mãe. Como é possível? Quem é essa mulher que ele não conhece e não reconhece? O filme mostra essa relação se deteriorando e o confundindo. O choque de saber coisas inimagináveis enquanto acompanha o interrogatório.

No passado, Joan começa a trabalhar com cientistas que pesquisam a bomba atômica. Sim, aquela desgraça que destruiu Hiroshima e Nagasaki. A competição entre os países está acontecendo, a triste guerra. Como era viver naquele tempo? Época sombria e sem paz. A jovem conhece o cientista Max, vivido por Stephen Campbell Moore, que lhe trará novas experiências e conhecimentos. E, talvez, um pouco de sinceridade.

Uma das virtudes da película é trazer reflexões sobre os novos e os velhos tempos. O que é traição? O que é patriotismo? O que é paz e como alcançar esta meta? E ética? Manipulações através do amor motivadas por ideologias dúbias? Mentiras e falsidades vão aparecendo ao longo da exibição. A questão política muitas vezes é suplantada por romances.

Foto: California Filmes / Divulgação

Inclusive, por falar em política, A Espiã Vermelha trouxe-me a lembrança de Enéas, fundador do extinto Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), três vezes candidato à Presidência da República (1989, 1994 e 1998), eleito Deputado Federal pelo estado de São Paulo, com mais de 1,57 milhão de votos, segunda maior votação já registrada no país. Este defendia questões polêmicas, como a construção da bomba atômica, a ampliação do efetivo militar e a nacionalização dos recursos minerais do subsolo brasileiro. Essa recordação veio exatamente porque Enéas argumentava pela construção de uma bomba atômica, pois acreditava que assim o Brasil seria mais respeitado. Em entrevistas, afirmava que essa medida permitiria ao país estar em condições de igualdade com as potências militares do mundo. Supostamente, a personagem Joan pensa de forma semelhante ou dá a entender isso.

A Espiã Vermelha deixa dúvidas sobre as reais crenças de Joan, “doce camarada”, que parece ter motivos justos ao buscar a paz através da igualdade de forças. Ou não? Temos algumas pistas, como uma cena com uma caneca de estampa inconfundível.

Inspirado na história real de Melita Norwood (esta sim, comunista convicta), funcionária pública britânica que forneceu à KGB (e suas agências predecessoras) segredos de Estado a cerca de seu trabalho na Associação Britânica de Pesquisa de Metais Não Ferrosos, A Espiã Vermelha é um filme bem-feito que desperta interesse por fazer pensar nos tempos de guerra do passado, nas brigas ideológicas que separam a humanidade e no atual momento de polarização política esquerda-direita. Impasses que perduram e ainda conduzem a violência e mortes desnecessárias. Parece que ainda continua faltando ao mundo um equilíbrio e uma evolução a cerca de ideologias ultrapassadas. O que você acha?

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Red Joan
Direção: Trevor Nunn
Elenco: Alfie Allen, Kim Allen, Judi Dench
Distribuição: California Filmes
Data de estreia: qui, 16/05/19
País: Reino Unido
Gênero: biografia
Ano de produção: 2018
Duração: 101 minutos
Classificação: 14 anos

Alvaro Tallarico

Jornalista vivente andante (não necessariamente nessa ordem), cidadão do mundo, pacifista, divulgador da arte como expressão da busca pela reflexão e transcendência humana. @viventeandante
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