CRÍTICA | ‘A Frente Fria que a Chuva Traz’ é uma crítica social exageradamente teatral

Wilson Spiler

A Frente Fria que a Chuva Traz, que estreia nesta quinta-feira (28/04), marca o retorno de Neville D’Almeida às telonas depois de 18 anos. Distante da sétima arte desde “Navalha na Carne” (1997), o diretor responsável por filmes como “A Dama da Lotação” (1978), “Os Sete Gatinhos” (1980), “Rio Babilônia” (1982) e “Matou a Família e Foi ao Cinema” (1991) é considerado um ícone do cinema marginal brasileiro.

Tanto tempo afastado da função não fez mal ao cineasta, mas também não o fez progredir. Experiente, D’Almeida utiliza recursos de seus trabalhos anteriores e, até por isso, não mostra nada novo. O diretor continua colocando sua assinatura na produção, mas duas décadas fizeram muita diferença em relação ao cinema brasileiro atual.

A Frente Fria que a Chuva Traz é uma crítica social simples e direta. O filme conta a história de um grupo de jovens ricos que aluga uma laje no Vidigal para fazer uma (última) festa regada por bebidas e drogas. Utilizando basicamente esse espaço da favela, o longa mostra de forma crua o contraste entre comunidade e asfalto (termo que odeio, mas sem um melhor para exemplificar). Com os playboys e patricinhas já sem novidades em seu nicho, eles levam o seu “mundinho” para o local, mas não permitem a participação dos moradores da área. A realidade é bem retratada através do personagem Gru (Flávio Bauraqui), que vive rondando os locatários, ora reclamando dos abusos cometidos ora simplesmente sonhando em fazer parte daquele cenário.

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Inspirado na peça homônima de Mario Bortolotto, A Frente Fria que a Chuva Traz parece exatamente isso: Teatro. A adaptação para a telona é meramente um texto encenado diante de câmeras, com frases marcadas e intercaladas, o que prejudica a verossimilidade das cenas. As falas são sempre proferidas em voz alta, como na arte cênica, que depende muito do som ambiente da casa de espetáculo, o que, obviamente, não acontece no cinema. Eis aqui um ponto bem fraco da produção: o áudio. Alguns diálogos chegam a ser incompreensíveis em certos momentos.

A Frente Fria que a Chuva Traz não é um grande filme, porém tem alguns destaques positivos. A cena de abertura é bem realizada, com o mix entre “Summer”, de Calvin Harris – grande hit das baladas – e “Sou Foda”, funk do grupo carioca Avassaladores, dando o tom das diferenças entre favela e asfalto (olha o termo odiado aqui de novo). O longa destaca ainda a alienação dos jovens da alta classe atualmente. A maior representação disso é o ídolo sertanejo deles, o Raposão, interpretado de forma magistral – e caricatural – pelo excelente ator Michel Melamed. Oriundo da comunidade e rico com músicas de baixo calão – que deixariam qualquer feminista com os nervos à flor da pele -, o artista é venerado como se fosse um verdadeiro poeta. Em relação às outras atuações, mesmo com o tom teatral, Bruna Linzmeyer também incorpora bem Amsterdã, a principal protagonista da película. A personagem é viciada em drogas, no entanto, não é rica com os outros jovens e faz de tudo para conseguir os entorpecentes (sim, inclusive sexo). Apesar de um texto bem raso (talvez seja proposital, de acordo com a geração retratada), a atriz deixa boa impressão no papel. Flávio Bauraqui é outro que aparece bem. O resto… bem, o resto é o resto.

Por fim, a frase mais forte e que talvez simbolize melhor o que é A Frente Fria que a Chuva Traz é “Tem muita gente escrota nesse mundo, gente ruim…”, dita por Amsterdã (Bruna Linzmeyer). Embora verdadeira, ela é apenas um remedo de um filme que poderia ser bem mais profundo do que realmente é.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Direção: Neville D’Almeida
Roteiro: Mário Bortolotto
Elenco: Bruna Linzmeyer, Chay Suede, Flavio Bauraqui, Johnny Massaro, Juliana Lohmann, Juliane Araújo, Marina Provenzzano, Mário Bortolotto, Michel Melamed, Natalia Lima Verde
Produção: Marcello Ludwig Maia
Fotografia: Kika Cunha
Montador: Tina Saphira
Duração: 80 min.
Ano: 2015
País: Brasil
Cor: Colorido
Estreia: 28/04/2016 (Brasil)
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: República Pureza Filmes

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
NAN