CRÍTICA | Embora tenha personagens fortes e ótimas atuações, ‘A Grande Jogada’ acaba sendo apenas uma obra genérica
Bruno Giacobbo
Roteirista de sucesso, ganhador do Globo de Ouro por filmes como “A Rede Social” (2011) e “Steve Jobs” (2015); e showrunner de uma das séries de maior sucesso da história da televisão americana, “The West Wing” (1999 a 2006), Aaron Sorkin poderia ter se conformado com uma carreira estável e já consolidada. Só que quem o conhece bem sabe que, em grande parte, seus personagens refletem algumas de suas principais características. Gente como o dono do Facebook e o visionário fundador da Apple sofrem de um profundo inconformismo frente à estagnação. Eles são irrequietos e bastante competitivos. Sendo assim, era quase impossível achar que algum dia parariam ao topar com a fortuna. Eles sempre querem mais e com Sorkin não seria diferente. Ele quis mais, deu um passo à frente e assumiu o comandando de sua primeira produção. E adivinhem qual foi a história escolhida para esta nova etapa? Uma muito parecida com as quais está acostumado a contar.
Baseada na vida de Molly Bloom, A Grande Jogada (Molly’s Game), escrito e dirigido por Sorkin, é uma viagem por uma existência eletrizante, com todos os riscos de descer em disparada por uma rampa nevada, durante a disputa de uma prova esqui freestyle. Molly, interpretada por Jessica Chastain, foi criada em Denver, no Colorado, por Larry (Kevin Costner), um pai que exigia o máximo dos três filhos. Este alto nível de exigência levou um dos irmãos a se tornar um excelente atleta olímpico e o outro a galgar uma carreira de enorme prestígio na medicina. À protagonista, filha mais velha e por isto, talvez, a mais pressionada de todos, restou o incômodo título de “princesa do pôquer”. Extremamente Inteligente, apesar de possuir totais condições de cursar Direito em Harvard, ela acabou ganhando muito dinheiro administrando mesas de pôquer em Hollywood e Nova Iorque. Neste oficio e lugares, conheceu estrelas do cinema, astros da música, mafiosos russos, italianos e consumiu muita droga.
Esta primeira aventura de Sorkin como cineasta é calcada num texto recheado de personagens fortes, a marca do roteirista de sucesso. Além da Molly de Chastain e do Larry de Costner, há o advogado Charlie Jeffrey, vivido por Idris Elba. É através das relações envolvendo estas três pessoas singulares que o texto se desenvolve e flui naturalmente. Na primeira parte do filme, acompanhamos a complicada convivência entre pai e filha, as cobranças para que ela, assim como um dos irmãos, fosse uma atleta olímpica de esqui freestyle e a armadilha do destino que impediu sua entrada no panteão dos heróis esportivos. Esta dificílima relação é a chave para entendermos quem é Molly. Forjada a ferro e neve (e uma aparente dose de desprezo), ela aprendeu que o mais importante não era não cair e, sim, levantar-se após cada queda. E de queda em queda, entendeu, também, que nunca mais deveria se subjugar a um homem. Só que, no pior momento de sua vida, foi um homem que a ajudou.
Derrotada e acossada, Molly precisou recorrer aos serviços de um advogado para se defender. E foi aí que conheceu Charlie, um homem, aparentemente, tão exigente com a filha como o pai era com ela. A segunda parte do filme é dedicada, quase toda, a expor esta relação. Não dá para dizer que este relacionamento seja tão difícil quanto o primeiro, até porque, aqui, não existe a questão da autoridade paterna. A dificuldade diz respeito muito mais sobre a alteridade de personalidades do que a qualquer outra coisa. E é deste embate que o público e os críticos podem extrair os motivos que levaram Chastain e Elba a flertarem, durante parte da temporada de prêmios, com uma possível indicação ao Oscar. Esta não veio, mas isto, agora, faz parte do rol das coisas desimportantes. Importante mesmo é que ambos e Costner entregaram mais uma atuação excelente, digna do texto de Sorkin. Dito isto, uma pergunta permanece sem resposta: por que este longa foi indicado apenas a roteiro adaptado?
Se Aaron Sorkin entrega um filme de primeira qualidade naquilo que está acostumado, o mesmo não dá para dizer em relação a sua estreia na direção. Não que A Grande Jogada padeça de graves problemas neste aspecto. Muito pelo contrário, é até bem dirigido, principalmente, se colocarmos na balança a experiência do realizador. Acontece que ele sofre por aceitar, sem oferecer resistência, o rótulo de obra genérica. Num ano em que temos “Eu, Tonya” (2017), uma cinebiografia que dá o seu recado de um jeito próprio, a história de Molly Bloom é narrada da mesmíssima maneira que outras tantas. Há uma tentativa de emular a narrativa de “A Grande Aposta” (2015), longa de Adam McKay que venceu o prêmio do Sindicato dos Produtores (PGA) dois anos atrás, só que esta é malsucedida. Assim, apesar de cumprir com sua função básica que é entreter o público, ao término da sessão, pouca coisa se leva para casa ou fará este longa ficar gravado na memória dos espectadores por bastante tempo.
Desliguem os celulares e boa diversão.
Em tempo: Há uma coisinha que ficou, sim, martelando na minha cabeça após a sessão. O filme tem um personagem chamado “Jogador X”. É, claramente, uma estrela de Hollywood que a identidade foi preservada. E aí eu fiquei pensando: “Quem é este b@b@c@?”. Bom, segundo alguns artigos disponíveis na internet, trata-se de Tobey Maguire. Se for verdade, faz todo sentido. Nada mais justo do que escalar um ator inexpressivo (Michael Cera) para interpretar outro igualmente inexpressivo. Uma baita ironia!
::: TRAILER
::: FOTOS
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Molly’s Game
Direção: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner
Distribuição: Diamond Films
Data de estreia: qui, 22/02/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 140 minutos
Classificação: 14 anos