CRÍTICA | Em uma época de transformação de valores, ‘A Guerra dos Sexos’ se mostra relevante
Bruno Giacobbo
No início dos anos 70, na esteira dos movimentos que levaram milhares de mulheres a brigarem por seus direitos pelo mundo afora, um pequeno grupo de jogadoras profissionais de tênis, insatisfeito com a remuneração que recebia, bastante inferior a dos homens, decidiu formar o seu próprio circuito de competição. Originalmente, elas eram apenas nove, depois, este número foi crescendo até ser suficientemente grande para fundar a Associação de Tênis Feminino (WTA, na sigla em inglês). Talvez ninguém fosse capaz de apostar um dólar naquela insurreição, mas se, por ventura, alguém apostou, ganhou. Hoje, a associação já tem mais de quatro décadas de existência e é tão importante quanto a ATP, a entidade semelhante que organiza os torneios masculinos. Entre as insurrectas estava Billy Jean King (Emma Stone), uma norte-americana de aparência frágil, rosto doce e que tinha como marca registrada os seus óculos. Contrastando com a imagem que as pessoas poderiam fazer dela em um primeiro momento, suas atitudes, dentro e fora das quadras, eram de uma leoa. E ela pode ser considerada uma percursora, a responsável por levar o esporte feminino a outro patamar. O que talvez ninguém também fosse capaz de apostar, na época, é que um homem, o ex-tenista Bobby Riggs (Steven Carell), seria importantíssimo para as conquistas que King lideraria.
Dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris, os mesmos do sucesso “Pequena Miss Sunshine” (2006), A Guerra dos Sexos (Battle of the Sexes) retrata a história da inusitada rivalidade surgida entre King e Riggs. Aos 55 anos, aposentado, casado, pai de dois filhos, ele era acima de tudo um apostador compulsivo que sentia muita falta dos holofotes do período em que atuava profissionalmente. Um dia, acompanhando pela TV tudo o que estava acontecendo no mundo do tênis, teve uma ideia: desafiar King para uma partida de exibição. Porém, com a pronta recusa desta, repassou o desafio para a australiana Margaret Court (Jessica McNamee), a número um do ranking mundial e arquirrival da americana. O resultado? Aquele que Riggs e todos os homens de plantão esperavam: uma surra. Apesar de mais jovem, Court não deu nem para a saída. Desta forma, ele voltou a desafiar a protagonista, só que, a princípio, ela tinha outras coisas com que se preocupar como, por exemplo, o inesperado romance com a cabeleireira Marilyn Barnett (Andrea Riseborough), que poderia complicar o seu casamento com o compreensivo Larry King (Austin Stowell). Contudo, não dava para dizer não por muito tempo, pois o que estava em disputa era bem maior do que um simples jogo de tênis.
Com roteiro de Simon Beaufoy, vencedor do Oscar por “Quem Quer Ser Milionário” (2008), o filme retrata bem o período histórico e os costumes da época em que a trama se desenrola; e, para isto, a fotografia que emula obras da década de 70, ajuda bastante. Personagens como King e o estilista das jogadoras, Ted Tinling, competentemente defendido em cena pelo ator Alan Cumming, apesar de desfrutarem de um enorme sucesso em suas respectivas profissões, não podem assumir suas opções sexuais ou falar livremente sobre o que sentem. A culpa é de uma sociedade patriarcal que, aqui, mesmo timidamente, começa a dar os primeiros passos rumo à uma transformação de valores. E, no longa, quem melhor representa esta sociedade é Jack Kramer (Bill Pullman), outro ex-atleta profissional. Atuando como dirigente, é ele que antagoniza com Stone. Apesar da rivalidade entre King e Riggs, em momento algum dá para sentir raiva de Carell. O texto de Beaufoy é claro ao mostrar que seu personagem não acreditava em nada do que falava. Ele estava ali desempenhando um papel, o papel que desempenhou a vida toda: o de uma pessoa que não consegue viver longe da fama e que é capaz de quase tudo para sentir o seu gosto só mais uma vez. As cenas com a família dentro de casa e a forma como cumprimenta a rival, após a partida entre eles, são demonstrações do seu verdadeiro caráter.
E o que falar de Emma Stone? A moça acabou de ganhar um Oscar, no entender deste crítico, merecido, e agora dá as caras com mais uma grande atuação? Em um filme que não consegue se enquadrar em nenhum gênero específico (e, neste caso, isto não é um problema), ela nos faz sorrir, emociona e encanta. Todos deixarão o cinema querendo serem amigos de Billy Jean King. Ou de Stone. Eu quero ser amigo de Emma Stone. Vocês não querem? Se a resposta for não, vocês têm problemas. Brincadeiras à parte, vendo A Guerra dos Sexos, lembrei-me de uma pessoa que, certa vez, disse-me que não tinha gostado de uma determinada película porque esta não a tinha feito apreciar determinado esporte. E o longa de Dayton e Faris tem esta capacidade: de, entre outras coisas, despertar o interesse pelo tênis. Ainda que a direção seja um pouco conservadora ao não apresentar nenhuma originalidade no modo como tudo foi filmado e o roteiro siga a linha de uma típica cinebiografia (talvez esta seja sua categoria), ao contar uma história cativante, levantando sem radicalismo bandeiras feministas e dos direitos LGBTQ, esta se revela uma obra importante e relevante em uma sociedade que continua a passar pela tal transformação de valores.
Desliguem seus celulares e excelente diversão.
*Filme visto no 19º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro
::: TRAILER
::: FOTOS
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Battle of the Sexes
Direção: Jonathan Dayton, Valerie Faris
Elenco: Emma Stone, Steve Carell, Andrea Riseborough
Distribuição: Fox
Data de estreia: qui, 19/10/17
País: Reino Unido
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 101 minutos
Classificação: a definir