CRÍTICA | Com boas críticas sociais, ‘A Moça do Calendário’ desperdiça seu potencial cômico

Bruno Giacobbo

Sobre o que se trata o longa-metragem A Moça do Calendário? Qual é a sinopse? Resumir em pouquíssimas linhas a história dirigida pela cineasta Helena Ignez deve ter sido complicado. Na trama, Inácio (André Guerreiro Lopes) trabalha como mecânico na oficina Barato da Pesada. Junto com os seus colegas de trampo, é explorado por um patrão obeso e nojento, que é apresentado por uma narração em off como um subcapitalista na base da pirâmide social. Todos os seus dias são desprovidos de cor. A única forma de se divertir é tomando uma cerveja no Bar do Bigode. Nas horas vagas, ele sonha com a tal mulher que batiza a película. Sabem aqueles calendários que enfeitam qualquer borracharia pelo Brasil afora? Então, a tal moça, a atriz Djin Sganzerla, está lá estampando todas as folhinhas, mês a mês. Um dia, do nada, ele se depara com a dita cuja saindo do boteco que frequenta. Será que é a mesma pessoa? Não sabemos, mas elas são idênticas: a intérprete é a mesma.

O Homem Perfeito | Elenco e produção abordam a era digital em coletiva de imprensa

Para dar forma a este romance que se avizinha, a realizadora lança mão de alguns recursos bem interessantes. Por exemplo: a alternância entre cenas em preto e branco; e tomadas coloridas. As primeiras são todas dentro da oficina mecânica. Neste lugar, só a mulher da folhinha tem cor: seu vestido é de um vermelho surrealista. Já as segundas são longe do ambiente de trabalho, quando o protagonista está pensando em tudo menos nos dissabores da labuta. A intenção de Ignez, certamente, foi fazer um contraste entre a dura realidade e o lúdico. Neste ínterim, o ponto de interseção entre estas duas facetas da existência de Inácio é, justamente, a moça do calendário. Todavia, como viúva do diretor Rogério Sganzerla e legítima herdeira do “Cinema Marginal”, que foi feito na Boca do Lixo, em São Paulo, e pela produtora Belair Filmes, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1968 e 1973, ela não conseguiria rodar uma simples e pura historieta de amor, nos moldes convencionais.

CRÍTICA | ‘10 Segundos Para Vencer’ mostra Éder Jofre como um Rocky Balboa tupiniquim

Assim como as obras do “Cinema Marginal”, o filme é dotado de comentários e críticas sociais. A sanha do capitalismo predatório, reforma agrária, desmatamento indiscriminado, indústrias farmacêuticas, entre outras polêmicas que eu possa não estar me lembrando agora, estão no bojo dos temas discutidos. E tudo isto poderia ter sido perfeitamente abordado sob o prisma do relacionamento envolvendo Inácio e a garota que ele conheceu saindo do bar, já que, como o roteiro nos informa posteriormente, ele é filho de um de latifundiário que, sem muita convicção, deu as costas para o dinheiro do pai e ela é uma militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O convívio e as possíveis divergências de opiniões constituiriam, por si só, em um rico manancial a ser explorado. Contudo, Ignez apostou em alegorias desconexas (outra característica da corrente cinematografia a qual é filiada) que, por vezes, levam o espectador a perguntar o que está acontecendo.

Grande Prêmio do Cinema Brasileiro | Confira os vencedores da 17ª edição

Foto: Pandora Filmes / Divulgação

Especificamente ao cinema de Rogério Sganzerla, A Moça do Calendário se conecta de outras maneiras bem mais objetivas: por meio de várias referências, em um excelente exercício de ficar catando easter eggs. Vejamos: a narração em off, citada lá cima, remete, por exemplo, ao longa “O Bandido da Luz Vermelha” (1968); já o vestido vermelho lembra bastante o de Sônia Silk, a fera oxigenada de “Copacabana Mon Amour” (1970); e para os mais observadores, em uma determinada cena, o protagonista está vendo “Sem Essa, Aranha” (1970) no seu laptop. Todas estas menções são uma belíssima sacada do roteiro adaptado por Helena Ignez a partir do texto original escrito por seu falecido marido. O que, definitivamente, não foi uma bela sacada foi ter investido pouco em tiradas bem-humoradas. O filme tinha um enorme potencial cômico que acabou sendo tão mal aproveitado quanto a participação da bela Djin Sganzerla. Eu gostaria de ter visto mais vezes o casal principal na telona.

Oscar 2019 | ‘O Grande Circo Místico’ é o escolhido do Brasil: entenda o motivo

Desliguem os celulares e boa diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Direção: Helena Ignez
Elenco: Andre Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla, Mário Bortolotto
Distribuição: Pandora Filmes
Data de estreia: qui, 27/09/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 86 minutos
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN