A Serpente

CRÍTICA | ‘A Serpente’

Karinna Adad

O sociólogo alemão Georg Simmel, em sua obra “A Tríade”, discorre sobre as formações sociais possíveis, sendo elas a unidade, a díade e a tríade. De acordo com ele, o grupo formado por dois elementos tende à unidade, na medida em que vai havendo uma tal afinidade que a tendência é o dois transforma-se em um. Por outro lado, esse conjunto de dois pode viver em constante conflito e acabar separando-se. O terceiro elemento, portanto, entra para que os demais se mantenham unidos, porém individualizados. Simmel ainda afirma que enquanto a díade tende à instabilidade, a tríade leva à estabilidade.

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A trama

Isso pode não fazer sentido diante do que acontece entre o triângulo amoroso formado por Lígia (Lucélia Santos), Guida (Lucélia Santos) e Paulo (Matheus Nachtergaele) em A Serpente. Casado com Guida e mantendo uma relação extraconjugal com sua cunhada Lígia, Paulo vê-se atordoado e manipulado pelas irmãs, que nutrem sentimentos tão distintos quanto um tipo de arranjo amoroso desse tipo permite.

Guida é a esposa traída, contudo apaixonada. Absorvida pela dúvida de ter ou não seu amor correspondido, ela começa a nutrir um ódio cego pela irmã. Lígia, por outro lado, parece estar na situação de quem não tem nada a perder. Seu marido impotente (Sílvio Restiffe) agora é ex por não ter dado conta de suprir os anseios carnais da esposa. Paulo é o típico marido rodriguiano que não controla a tentação de se envolver com outra mulher e por ela cometer um ato condenável.

A Serpente (1)

Fidelidade

O filme A Serpente, inspirado numa das poucas peças escritas por Nelson Rodrigues, procura ser fiel à dramaticidade exigida pelo teatro. Acertadamente filmado em preto e branco, somos levados a nos concentrar nas expressões faciais e corporais dos atores e esquecer os detalhes, que não são muitos. A ausência de colorido também acentua a tragédia que se abate na vida desse harmonioso grupo de três. Nele, o amor se transforma em desejo, inveja, anseio, ódio e, por fim, morte.

Lígia, confirmando o que Simmel tinha escrito, é o terceiro elemento que entra de forma indesejável na vida de um casal que não pretendia se tornar um. Por isso, a relação de Paulo e Guida é tão irreversivelmente conturbada com a chegada da irmã. No tipo de arranjo em que a díade não está em harmonia, o terceiro desestabiliza e gera rupturas mais ou menos trágicas. Contudo, não cabe julgar com rigor diferenciado um ou outro, pois a serpente que adentrou o paraíso de Adão e Eva só levou à derrocada do casal porque este permitiu a sua entrada.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: A Serpente
Direção: Jura Capela
Elenco: Lucélia Santos, Matheus Nachtergaele, Sílvio Restiffe
Distribuição: Dist. própria
Data de estreia: qui, 25/07/19
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2019
Duração: 73 minutos

Karinna Adad

Tranquila, mas multitarefada. Sou daquele tipo de pessoa que sempre está fazendo alguma coisa e descobrindo outras tantas pelo caminho. Topo qualquer parada desde que tenha prazer nela e uma das que por mais tempo vem me enchendo de alegria é a escrita. E como boa leitora consigo escrever sobre quase qualquer coisa, por mais que, como uma cientista social em formação, não consiga deixar de fazer agir meu raio problematizador nos meus textos.
NAN