CRÍTICA | ‘A Última Lição’ retrata a dificuldade de colocar o amor próprio em primeiro lugar

Natalia Gulias

Madeleine, ou Mady, como é chamada pelos parentes, é uma senhora que completa seus 92 anos e reivindica sua antiga vontade de pôr fim em sua vida, assim que ela se tornasse cansativa e insustentável. Muito além da questão polêmica da eutanásia, A Última Lição carrega diversas discussões sobre o direito ao próprio corpo e o egoísmo dos seres humanos ao tentarem manter vivos os outros, para que não sintam-se culpados.

Como o título demonstra, Mady tem muito a ensinar seus filhos já adultos. Dessa forma, ela demonstra para eles ao longo do drama francês sua insatisfação perante às atividades que já não pode mais realizar sozinha por conta da natural progressão da idade e como isso transforma sua vida em uma constante frustração. A lição de Mady é clara: tornar-se idoso não deve significar tornar-se inválido ou, mesmo, necessitar de cuidados semelhantes aos infantis e pertencer aos outros.

A direção de Pascale Pouzadoux propõe destacar, em pequenos detalhes de cenário, como vida de Mady se constitui ao longo dos anos. É com bastante observação que podes-se perceber singelas dicas sobre o porquê de a sua personalidade exaltar a questão do direito à própria morte. A protagonista da trama, em sua vida, foi ativista dos direitos das mulheres em uma França antiga e mais conservadora. Assim, Mady lutou pela reivindicação dos corpos das mulheres quando jovem e teve de assistir esses direitos se estreitando pelo preconceito social frente aos idosos.

Gradativamente, Diane – sua filha – tenta entender os motivos da mãe, já que a insistência em mantê-la viva entristecia Mady, que estava determinada a prosseguir com seus planos. Diane torna a vida de sua mãe confortável para que ela possa partir, por perceber que o desejo de impedir sua morte era egoísta e era apenas uma forma de acalmar o próprio coração, enquanto que o da mãe já estava demasiado atormentado.

Já o filho de Mady não aceita tão bem a sua decisão e isso o faz se afastar da família, tentando impedir uma ida em paz. A crítica constante desse momento é a da pergunta: “Até que pontoo nos permitimos ser dos outros em vez de sermos de nós mesmos?”. E é visível na atuação de Sandrine Bonnaire, Diane, que deixar as pessoas irem embora também é uma forma de amar.

A idade de Mady é representada através das reminiscências dela, junto com os objetos que guardou da época que era jovem. Isso tudo é acompanhado de uma trilha sonora bem calma que se adéqua perfeitamente aos momentos do filme. As cenas finais são tomadas de grande emoção pela reflexão que é promovida a partir do amor dos outros e o quanto ele também pode fazer mal.

Os espectadores irão entender que Mady precisava disso para ir enquanto ainda era feliz e que esse foi um dos pontos de partida para que a eutanásia deixasse de ser um tabu tão intenso na sociedade e passasse a ser discutida seriamente, uma vez que o filme retrata uma história verídica. A questão que permanece na mente ainda após o filme é: “Quais são os limites do amor aos outros e do amor próprio?”

FICHA TÉCNICA

 A Última Lição
(La Dernière Leçon)
de Pascale Pouzadoux
com Sandrine Bonnaire, Marthe Villalonga
França – 2015 – 107min
Madeleine, 92 anos, decide marcar a data de sua morte e toma todas as providências para que tudo se passe da melhor maneira. Porém, quando informa sua decisão à família, muitos conflitos vêm à tona, e sua intenção de prepará-los carinhosamente para sua ausência se transforma em uma grande confusão familiar. Sua filha Diane respeita a escolha da mãe e divide com ela o humor e a cumplicidade desses últimos momentos.

Natalia Gulias

Uma vestibulanda de medicina de 17 anos usa seu curto tempo livre para ler bastante e descansar da pesada rotina de estudante.
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