CRÍTICA | ‘Artista do Desastre’ é uma celebração do amor incondicional à Sétima Arte

Bruno Giacobbo

O que possuem em comum as seguintes datas: 1º de maio de 1941, 15 de março de 1972 e 27 de junho de 2003? Eu sei que esta pergunta não é nada fácil e talvez nem o cinéfilo mais fanático saiba a resposta de cabeça. Bom, foram nestes dias que aconteceram as pré-estreias de três marcos da história do cinema: “Cidadão Kane”, “O Poderoso Chefão” e “The Room”. Aí, vocês em casa podem estar se achando umas bestas por conhecerem os dois primeiros, mas nunca terem ouvido falar do terceiro. Fiquem tranquilos. Até o ano passado, eu também não conhecia o filme que é mundialmente celebrado como “o Cidadão Kane dos filmes ruins”. No entanto, corri atrás, vi e hoje posso assegurar que se trata da maior obra-prima involuntária de todos os tempos. E o que tem tudo isto a ver com esta crítica? Simples: Artista do Desastre (The Disaster Artist), dirigido, produzido e estrelado por James Franco, retrata os bastidores da produção deste autêntico neoclássico americano.

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Adaptação do livro homônimo de Greg Sestero (em dupla com Tom Bissell), o longa-metragem mostra como o autor, vivido por Dave Franco, conheceu Tommy Wiseau (James Franco) em um curso de teatro. Deste encontro nasceu uma amizade duradoura e “The Room”. Logo de cara, percebemos que nenhum deles tem vocação. Durante uma aula, a professora vira para Greg e pergunta se ele quer mesmo atuar. Ao ouvir que sim, ela diz que isto deve ser um segredo, já que ninguém é capaz de escutá-lo. O outro é o oposto. Canastrão e exagerado. Juntos, eles vão para Los Angeles perseguir o sonho de ser ator. Só que as portas não demoram a se fechar. Uma a uma. Até que surge uma ideia: fazer um filme independente. Dinheiro não era problema para Tommy que se pôs a escrever. Com o roteiro pronto, alugaram um estúdio, escolheram o elenco e iniciaram as filmagens que duraram 58 dias, 18 a mais do que o previsto.

O filme ficou duas semanas em cartaz e arrecadou somente 1800 dólares porque seu diretor, Tommy, não sabia o que estava fazendo, as atuações eram péssimas e coisas básicas como o uso do chroma key, por exemplo, foram tão malfeitas, que até um cego perceberia. Grande parte do sucesso de Artista do Desastre se deve ao fato deste reproduzir com perfeição estes defeitos. E apesar de muitas cenas serem idênticas, ele vai além ao esmiuçar a relação entre os homens por trás das câmeras. O verdadeiro Tommy Wiseau era e ainda é um ser misterioso. Ninguém sabe onde ele nasceu, quantos anos tem ou a origem da fortuna que bancou toda a produção. Greg Sestero, por sua vez, era o jovem sonhador que cresceu admirando James Dean. Eles se completavam e o clima de bromance no ar era perceptível.

Quando foi lançado, “The Room” era pretensioso, candidatando-se, inclusive, ao Oscar de 2004. Um drama supostamente denso, que se transforma em uma enorme galhofa com menos de dez minutos. O segredo do sucesso posterior foi ter entendido e aceitado a sua real vocação para o humor. Ou seja: viu que não podia ser levado a sério. Diferentemente de sua obra inspiradora, o longa de James Franco deve ser encarado, em meio a gargalhadas, com a devida seriedade. Ele é bem dirigido, apesar de não gozar de nenhum arroubo autoral. Conta um roteiro quase perfeito, que tem como maior mérito narrar a história de uma maneira que o público não precisa ter assistido ao clássico para entender o que está acontecendo na tela. E, por último, possui atuações que, ao emularem a canastrice dos atores originais, revelam-se, em sua maioria, muito boas. Neste caso, o destaque é Franco que incorporou magistralmente os trejeitos de Tommy Wiseau. O único pecadilho é uma barriguinha lá pelo meio.

Recheado de participações especiais, Jack Weaver, Melanie Griffith, Sharon Stone, Ari Graynor, Bryan Cranston, Bob Odenkirk, J.J. Abrams, Seth Rogen, Zac Efron, Josh Hutcherson, Kevin Smith e Greg Sestero, desempenhando cameos ou dando depoimentos, este filme repleto de bossa corre o risco de ser assolapado pelo escândalo envolvendo seu realizador, acusado de assédio sexual. As denúncias são gravíssimas e se confirmadas, é claro que o dublê de diretor e ator deve pagar por seus crimes. Contudo, aqui vai um apelo: não boicotem a obra por causa do artista. Assistam nem que seja como homenagem ao mito que se tornou o enigmático Tommy com o passar dos anos. Mal comparando, Artista do Desastre é o “Ed Wood” (1994) dos nossos tempos, uma celebração do amor incondicional à Sétima Arte.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

::: TRAILER

:::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The Disaster Artist
Direção: James Franco
Elenco: James Franco, Dave Franco, Seth Rogen
Distribuição: Warner
Data de estreia: qui, 25/01/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 98 minutos
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN