CRÍTICA | ‘Atômica’ é Charlize Theron arrebentando (literalmente) e estética exagerada
Thiago de Mello
A introdução à personagem é muito interessante: uma mulher com o corpo agredido, permeado por hematomas e cortes, emerge de uma banheira cheia de gelo. Ela abraça as pernas machucadas e escora a cabeça sobre os joelhos, com um olhar distante, num misto de dor e receio. A fotografia fria, opaca e azulada fortalece a expressão e corpo angustiantes, restando ao espectador, curioso por tudo que está em tela, embarcar na jornada por respostas. O início é instigador, mas aos poucos perde vigor.
A mulher na banheira é Lorraine Broughton (Charlize Theron), uma agente do MI6 que está sendo interrogada pelos seus chefes a respeito de seu último caso. Ela precisa explicar o que deu errado na missão em Berlim, durante a Guerra Fria, onde deveria investigar o assassinato de um oficial e recuperar uma lista perdida de agentes duplos, ao lado de David Percival (James McAvoy, de Fragmentado, numa atuação pautada por um convencional exagero), um impulsivo agente infiltrado. Partindo dessa dinâmica, Atômica (Atomic Blonde) apresenta uma narrativa não linear com um narrador-protagonista a fim de desenvolver um estiloso suspense de espionagem e ação.
Em partes, o filme obtém êxito, principalmente na ação. Em seu primeiro crédito como diretor, o então dublê David Leitch demonstra bom olhar para o gênero. Atômica possui grandes e dinâmicas sequências de ação e perseguição. Leitch preza pela coreografia bem ensaiada, o que resulta em lutas com o mínimo de cortes. Aliás, é com esse intuito que o diretor realiza uma das maiores e melhores cenas de ação já vistas na tela.
Perto do fim do segundo ato, Atômica cria um falso plano-sequência (e aqui digo falso com receio pois a fluidez, qualidade e continuidade do mesmo é tamanha que fica difícil apontar onde foram os cortes) no interior de um prédio que, por si só, eleva o filme. A coreografia é espetacular e muito valorizada pela movimentação da câmera (em mãos) que acompanha a protagonista numa luta com vários inimigos por diferentes andares e salas. O resultado é de uma brutalidade realista, com o corpo de Atômica reagindo a cada soco e chute que recebe (no meio da ação, entre os cortes, o rosto dela incha e sangra).
Chalize Theron – que treinou ao lado de Keanu Reeves enquanto ele se preparava para John Wick: Um Novo Dia para Matar – se entrega na batalha e o que vemos é uma performance crua e visceral, que ofega não por atuação, mas como resposta física ao imenso esforço desprendido. A câmera acompanha a atriz pelas lutas, desviando dos corpos, movimentando-se pelo cenário, favorecendo inclusive o extracampo. Enquanto isso, a edição e design de som dão impacto aos golpes, secos e realistas.
Não obstante, o plano caminha escada abaixo para fora do prédio, entrando no carro, para uma cena de perseguição igualmente eletrizante. São muito minutos de ação magistral até sua conclusão. Uma aula de cinema de ação, digna de aplausos. Porém, tanto antes quanto após dessa sequência, há problemas.
Se o olhar de Leitch funciona muito bem para a ação, ele peca na narrativa e estética, principalmente na primeira metade, anterior ao plano-sequência supracitado. A espionagem que move a trama não instiga o público, que observa alheio à perseguição do MacGuffin da protagonista. Não há senso de urgência, apreensão ou perda quanto à missão de Lorraine. Assim, até mesmo a conclusão que consegue enganar o espectador, fica sem impacto. As idas e vindas temporais, narradas a partir da experiência de Lorraine, diminuem a inserção na trama, por mais que ele tente (e tenta muito).
Parte dessa malfadada tentativa é responsabilidade da estética de Leitch. Buscando um visual arrojado, mesclando um o retrô com o moderno, o diretor cria apenas cores e trilha sonoras vazias. A profusão de paletas coloridas, neons e realces não possuem objetivo além da estética, ficando alheios à trama. O mesmo acontece com a trilha sonora, quase incessante, que busca somar dinâmica, mas falha graças à repetição aleatória. Não é a toa que a melhor cena do filme acontece sem trilha sonora ou exageros estilísticos.
Porém, a segunda metade volta a animar o público, principalmente por reflexo da sequência de ação no prédio. A trama toma novos contornos e os personagens movem-se na narrativa em destino à conclusão. O filme ganha a dinamicidade que faltava.
Por si só, a personagem de Charlize consegue conduzir a narrativa. Há um relacionamento interessante com outra agente, a Delphine Lasalle (Sofia Boutella, de A Múmia e Star Trek – Sem Fronteiras), mas que não causa o impacto almejado. Novamente, a narrativa não linear utilizada não consegue criar a emoção que busca. Fora isso, personagens vêm e vão sem deixar suas marcas, como Eric Gray (Toby Jones) e Emmett Kurzfeld (John Goodman, de Kong: Ilha da Caveira), os chefes que interrogam Lorraine, ou Spyglass (Eddie Marsan), um dos pilares da trama de espionagem.
No fim, Atômica surpreende pela ação, mas falha na atmosfera da espionagem e pelo exagero estético. A história, quando concluída, não impressiona o espectador que nem se dará ao trabalho de pensar sobre a mesma, refletindo se há congruência no desenrolar da trama. Mas isso acontece não apenas pela narrativa problemática, mas pelo plano-sequência no prédio que, horas ou dias após sair do cinema, ainda permanece na lembrança.
Atômica estreia em 31 de agosto.
*Texto publicado originalmente no site “O SETE”, parceiro do BLAH CULTURAL
::: TRAILER
::: FOTOS
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Atomic Blonde
Direção: David Leitch
Elenco: Sofia Boutella, Charlize Theron, James McAvoy
Distribuição: Universal
Data de estreia: qui, 31/08/17
País: Estados Unidos
Gênero: ação
Ano de produção: 2016
Duração: 115 minutos
Classificação: 16 anos