CRÍTICA | Quando pesamos tudo, ‘Belmonte’ é esquecível como um quadro em branco
Bruno Giacobbo
No jornalismo, costumamos dizer que todo fato é digno de nota. Ou seja: a notícia está onde menos esperamos e nada deve ser desprezado. Será que transposta para o cinema esta máxima tem o mesmo valor? Fazendo um exercício de imaginação: “Existe alguma coisa que não mereça ser filmada?” Não sei, pois há filmes que parecem versar sobre coisa alguma. No entanto, esta resposta, com certeza, vai variar de acordo com o interlocutor. Não li nenhuma entrevista e muito menos conheço pessoalmente o diretor Federico Veiroj, mas arrisco, sem medo de ser feliz, que, se perguntado, ele diria que não há nada neste mundo que não possa virar um frame e, consequentemente, um longa-metragem. O motivo desta minha crença está em Belmonte, exibido no Festival do Rio.
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O filme retrata um par de dias na vida de Belmonte (Gonzalo Delgado), um cidadão uruguaio, desquitado de Jeanne (Jeanette Sauksteliskis), pai da pequena Celeste (Olívia Molinaro), irmão de Marcelo (Marcelo Fernandez) e filho de pais idosos e trabalhadores. Sua vida é ordinária, não no mal sentido. Esta resume-se a uma rotina diária como pintor, ofício em que, aparentemente, tem algum sucesso, já que está às voltas com uma exposição de seus quadros. Nos finais de semana, ele pega a filha e cuida dela. Apesar da história deixar subentendido que o protagonista possui lá seus relacionamentos amorosos esporádicos, é nítido que este ainda não esqueceu totalmente a ex-mulher. Só que ela está grávida de outro cara e não quer mais saber dele. E, assim, nesta toada vagarosa, vai levando e vivendo.
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Filmes sobre o rotineiro e o ordinário existem aos montes. É a tal observação do cotidiano, uma vez que não dá para acreditar que todas as existências sejam desinteressantes. O clássico dos clássicos, neste segmento, “Jeanne Dielman, 23, Quati du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975), da belga Chantal Akerman, retrata, em três horas, três dias da vida da personagem principal. No início, até parece versar sobre coisa alguma, todavia, esta impressão fica somente na aparência, já que, lá pelas tantas, ocorre um acontecimento que muda tudo. “Cafarnaum” (2018), da cineasta libanesa Nadine Labaki, também visto no Festival do Rio 2018, acompanha o tempo todo o menino Zain, só que a trama parte de um plot inacreditável e engenhoso. Estas coisas fazem a diferença em uma película com tais propósitos.
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Aonde quer chegar Veiroj com Belmonte? Esta é uma pergunta que continua sem resposta. Como obra, em relação a parte técnica ou as interpretações, é um filme sem grandes problemas. É um drama leve, que dosa uma certa melancolia com instantes de uma graça genuína. A dobradinha pai-filha, Gonzalo e Olívia, funciona bem. A menina é espontânea e nos faz querer adotá-la. Ele, por sua vez, consegue transmitir a sensação de que seu desânimo é verdadeiro e não apenas uma característica do personagem. Em contrapartida, os demais personagens foram jogados de qualquer maneira. A trilha sonora, composta por músicas que dialogam com cenas específicas, cumpre bem seu papel sem ser genial. Só que quando pesamos tudo, o filme é quase como um quadro em branco: completamente esquecível.
Desliguem os celulares e boa diversão.