CRÍTICA | ‘Cães de Guerra’ vale cada frame feito e centavo de dólar investido na produção

Bruno Giacobbo

Você já pensou em ‘conquistar o mundo’ com apenas 24 anos? Mais do que isto: você já se descobriu um dia sem rumo, com um destino incerto pela frente, e, lá pelas tantas, a vida resolve dar uma guinada de 180 graus e tudo começa a dar certo, como em um grande passe de mágica? Sim, parece fantasia ou história de cinema, mas se procurarmos com um pouco de atenção veremos que existem casos assim e se são chamados de ‘histórias de cinema’ é porque, normalmente, rendem bons filmes. Contudo, o ‘conquistar o mundo’, aqui, não precisa ser através do emprego dos seus sonhos para sustentar seu filho, como ocorre com o personagem de Will Smith, em “À Procura da Felicidade” (2006). Deveria, mas existem outros caminhos menos nobres e muito mais rápidos do que este. Um exemplo? Comercializando armas com o exército norte-americano e o Oriente Médio. E é esta incrível história, baseada em fatos reais, que o diretor Todd Phillips decidiu contar em Cães de Guerra (War Dogs), seu novo longa-metragem.

Na trama, derivada de uma reportagem publicada na revista “Rolling Stone” e produzida por Bradley Cooper, David Packouz (Milles Teller) é um jovem da Flórida que vive do salário de massagista profissional de milionários. A grana é curta e ele tem uma esposa, Iz (Ana de Armas). Um dia, eles têm uma surpresa. Ela está grávida. Com mais uma boca para alimentar, ele bola um plano aparentemente genial: vender armas. Não, ainda não. Vender lençóis para os diversos asilos e casas de repouso espalhadas pelo estado. David pega toda a sua poupança e investe o dinheiro em toneladas do produto. No entanto, o que parecia brilhante no campo das ideias, se revela um verdadeiro desastre. Ninguém quer seus panos. Ou eles são caros demais; ou são inúteis para pessoas que estão próximas da morte, diz um interlocutor. Frustrado, falido, contra todos os prognósticos, sua vida vai dar a tal guinada quando ele reencontrar Efraim Diveroli (Jonah Hill), um velho amigo de infância com quem não tem nenhum contato há muitos anos.

ARMS AND THE DUDES

Efraim é o oposto de David. Confiante, decidido e dono de uma lábia poderosa. Um daqueles sujeitos dotados da capacidade de vender uma geladeira para um esquimó. Após uma temporada na Califórnia, onde possuía, em sociedade com o tio, um negócio de compra, em leilões, de armas apreendidas pela polícia, ele decidiu voltar para seu estado natal e montar sua própria empresa. Só que suas metas são muito mais ousadas. De migalha em migalha, como um autêntico cão faminto farejando um pedaço de torta, o objetivo é devorar a concorrência pelas beiradas e comercializar com compradores muito maiores do que simples cidadãos comuns em busca de armas para proteção pessoal, caça e outras coisas parecidas. A partir daí, com o sucesso da operação, a crescente demanda e vendo a necessidade do amigo em ganhar dinheiro, Efraim chamará David para trabalhar com ele e ensinará seus truques ao novo colega de ofício. Em breve, a matilha crescerá e os cães, literalmente, irão para a guerra.

Havia grande expectativa em relação ao que veríamos em Cães de Guerra. Phillips é um cineasta amplamente reconhecido por seu trabalho à frente de comédias de sucesso. Ele dirigiu e roteirizou a trilogia “Se Beber, Não Case”. É de sua autoria, também, o roteiro de “Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” (2006). Por isto tudo, imaginava-se que, apesar do fato de abordar um assunto grave como o comércio internacional de armas, o filme pudesse ser mais uma obra apenas voltada para o riso frouxo, mas não é isto que assistimos na telona. Mostrando muita desenvoltura e uma versatilidade até então, talvez, desconhecida para alguns, ele realizou uma competente e afiada ‘dramédia’. Existem, sim, momentos de humor, contudo, é o drama que pauta os desdobramentos do excelente roteiro redigido pelo próprio realizador em parceria com Stephen Chin e Jason Smilovic. Com ação de sobra, tensão na dose apropriada e viradas pontuais na trama, o ritmo não cai em instante nenhum e o espectador ficará grudado na cadeira, sem conseguir se mexer e sem sentir o tempo passar.

ARMS AND THE DUDES

Um filme que vem a cabeça, imediatamente, assistindo esta nova película de Phillips, é outro grande sucesso exibido este ano no Brasil: “A Grande Aposta” (2015), de Adam McKay. Além dos diretores terem um histórico de comédias bem sucedidas no currículo, as obras se assemelham no formato, ambas usam frases de efeito para pontuar momentos chaves da narrativa (a metáfora das migalhas com o pedaço de torta, citada lá em cima, é uma delas), e na edição extremamente ágil. O elenco também é um ponto de conversão. Jonah Hill, assim como Steven Carrell, é um ator que tem toda sua raiz no humor, mas quando descamba para o drama mostra que pode fazer coisas muito melhores do que só arrancar risos da plateia. No entanto, quem rouba a cena é Milles Teller. O intérprete de David, aclamado por sua atuação em “Whiplash: Em Busca da Perfeição” (2014) que, no mínimo, merecia uma indicação ao Oscar, traduz em palavras, gestos e suores a exata sensação do que é ser um loser e se tornar um inesperado vencedor.

Tenso, repleto de adrenalina, com tiradas inteligentes, diálogos mordazes e capaz de arrancar risadas na hora certa, Cães de Guerra é entretenimento de altíssima qualidade, filme para agradar todo tipo de público: do cinemão pipoca até o de cinema de arte. Para os fãs de “Scarface” (1983) há, ainda, um plus, pois possui diversas menções bastante explícitas à obra-prima de Brian De Palma. Já uma referência bem mais discreta é feita àquele que, provavelmente, é o maior épico de guerra de todos os tempos: “Apocalypse Now” (1979). Em uma cena rodada em Las Vegas, não pisque ou deixará passar esta citação ao longa-metragem de Francis Ford Coppola. Por todos estes aspectos, não custa nada dizer em bom português: vale cada frame feito e centavo de dólar investido na produção.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
Título original: War Dogs
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Jason Smilovic, Todd Phillips
Elenco: Jonah Hill, Miles Teller, Ana de Armas
Distribuição: Warner
País: Estados Unidos
Gênero: comédia
Ano de produção: 2016
Duração: 119 minutos
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN