CRÍTICA | ‘Um Limite Entre Nós’ tem desfecho previsível, mas não deixa de ser impactante

Bruno Giacobbo

Já se foram 14 anos desde que Denzel Washington, um dos atores mais proeminentes de Hollywood, fez sua estreia atrás das câmeras com a cinebiografia “Voltando a Viver” (2002). De lá para cá, esta sua nova caminhada profissional se constituiu, basicamente, de hiatos. Ele só voltou a dirigir meia década depois, em 2007, quando rodou “O Grande Debate”, outra obra baseada em um personagem real, e ano passado, ao assumir a batuta de um episódio isolado da série televisiva “Grey’s Anatomy”. Dá para dizer, com certa segurança, que nenhuma destas experiências foi exatamente um case de sucesso. Suas notas, nos principais sites compiladores de críticas, não são altas e os dois filmes passaram longe de premiações como o Oscar, por exemplo. Até agora. Baseado em uma montagem da Broadway, Um Limite Entre Nós (Fences) é o longa que pode impulsionar a carreira do astro como cineasta.

Para dar este passo adiante com relativa margem de segurança, ele precisava fazer as escolhas certas. A primeira, sem dúvida alguma, foi escolher uma peça e ter como roteirista o seu próprio autor, o dramaturgo norte-americano e duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer, August Wilson (1945 – 2005). A transposição para o cinema de textos teatrais se dá, em boa parte dos casos, de forma conservadora. E não digo isto pejorativamente. O que quero dizer é que estes longas costumam ser grandes peças filmadas, com cenários limitados, entrada e saída dos intérpretes bem marcadas e outras coisas. Consequentemente, para alguém com pouca experiência dirigindo e enorme know how atuando, esta foi uma opção bastante sábia, que, no fim, fez toda a diferença.

A segunda e acertada escolha foi a do seu elenco, composto por sete atores, e, especificamente, a dos dois protagonistas. É na interpretação que reside a força do teatro, muito mais dependente deste aspecto do que o cinema. Na história de Troy Maxton, um lixeiro que se ressente do fato de não ter a chance de dirigir o caminhão de lixo ao invés de realizar o trabalho de coletor e da falta de oportunidades quando tentou jogar beisebol profissionalmente, coube ao próprio Denzel ser o protagonista. Ele poderia ter escolhido outro ator, mas além de confiar em seu talento, contou o fato dele ter vivido o mesmo papel nos palcos da Broadway. Já a escolhida para viver Rose, a esposa de Troy, foi Viola Davis. Como a dupla está presente na maioria das cenas, era preciso que ambos tivessem tarimba suficiente para transmitir veracidade ao turbilhão de emoções e ao drama latente da trama. E eles têm de sobra.

Em um ano onde se imagina que a Academia fará um mea culpa, devido à polêmica do ‘Oscar so white’, ocorrida em 2016, algumas pessoas têm batido na tecla que este é um filme com temática negra, o que caracteriza um erro crasso. Os personagens principais são negros e a história se passa no fim da década de 50, em plena ebulição do movimento pelos direitos civis. Contudo, Troy e Rose poderiam muito bem ser trabalhadores brancos, pobres e desafortunados, uma vez que o foco da trama não é a luta dos negros por um lugar ao sol na sociedade norte-americana. Na realidade, este é um longa sobre relacionamentos familiares e, principalmente, a imensa dificuldade que um homem pode ter em transmitir aos seus filhos valores que não conheceu na infância. Como amar sem ter sido amado pelo próprio pai?

Um Limite Entre Nós, título que batiza esta obra, faz referência a dificuldade que Troy tem de se relacionar com os outros personagens devido às circunstâncias de vida que cercearam e limitaram o seu modo de enxergar mundo. Este problema de relacionamento não ocorre só com a esposa e os filhos Lyons (Russell Hornsby) e Cory (Jovan Adepo); mas também com o irmão Gabriel (Mykelti Williamson) e o amigo Bono (Stephen Henderson), o único a escutar, em algum momento, um “eu te amo” da boca do protagonista. Já a cerca, que obsessivamente ele passa o filme todo tentando construir envolta de sua propriedade, é uma metáfora para o jeito como Denzel decidiu rodar este longa-metragem, cercado de segurança para ter poucas chances de errar. Funcionou. No calor das emoções que vão transbordando, aos poucos, da telona, somos arrastados, atropelados, rumo a um desfecho até certo ponto previsível, mas nem por isto menos impactante.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Fences
Direção: Denzel Washington
Roteiro: August Wilson
Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson
Duração: 138 minutos
Gênero: Drama
País: Estados Unidos
Ano: 2016

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN