CRÍTICA | ‘Creepy’ tem uma latente capacidade de sedução dos espectadores

Bruno Giacobbo

O sobrenome é o mesmo do maior cineasta japonês de todos os tempos, o grau de parentesco nenhum. Quando Akira mostrou ao mundo o seu último longa, “Madadayo” (1993), Kiyoshi ainda estava na fase dos filmes para a televisão. A carreira cinematográfica do segundo Kurosawa só decolou, de fato, após a morte do primeiro, em 1998. É como se tivesse sido necessária uma simbólica passagem de bastão. Feito isto, ele se tornou um dos queridinhos do Festival de Cannes. Só lá foram três prêmios e seis indicações. Isto sem falar das participações em outros importantes festivais como Locarno e Toronto. Logo, ser conhecido por aqui, no Brasil, era uma simples questão de tempo. Quem foi a Mostra de São Paulo, ano passado, teve a chance de ver “Para o Outro Lado” (2015), um drama sobrenatural com pitadas de “Ghost: Do Outro Lado da Vida” (1990), obra de inegável qualidade artística, mas sem capilaridade para fisgar o coração do grande público que frequenta as salas dos multiplex. Já Creepy (sem tradução para o português / Kurîpî: Itsuwari no rinjin), um suspense policial de caráter universal, tem uma latente capacidade de sedução dos espectadores devido à história bastante instigante.

Em uma espécie de prólogo (na verdade, uma cena inicial) conhecemos Takakura (Hidetoshi Nishijima), um detetive especializado em psicologia criminal. Seus principais casos costumam envolver psicopatas e maníacos de todos os tipos. Neste momento, sua missão é entender a cabeça de um jovem e desafiador criminoso. Um ano depois, o reencontramos afastado da polícia, planejando o seu futuro ao lado da esposa Yasuko (Yuko Takeuchi) e do cão Max. O primeiro passo já foi dado: acabaram de se mudar para uma casa nova. O segundo é usar sua experiência profissional para dar aulas numa universidade. Um dia, ele recebe a visita de Nogami (Masahiro Higashide), um ex-colega de corporação envolvido em uma investigação complicada e misteriosa. A ajuda do protagonista pode ser importante. Curioso, o velho sabujo se envolverá aos poucos, percebendo, assim, que seu faro e sua mente estão mais afiados do que nunca. A prova disto é que o comportamento de Nishino (Teruyuki Kagawa), um vizinho esquisitão, despertará sua atenção e Takakura começará a matutar se, coincidentemente, uma coisa não tem a ver com a outra.

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Apesar da história instigante, como escrevi lá em cima, Creepy corre o risco de cansar um pouco parte do público. Após um começo de tirar o fôlego, a tal cena inicial que, para este crítico, é a segunda melhor abertura deste ano (atrás, apenas, de “O Silêncio do Céu”), o longa-metragem gasta boa parte dos seus 130 minutos com a construção dos personagens e a contextualização da trama. O que para alguns pode soar como um defeito, na realidade, é uma qualidade do roteiro baseado no romance “Kuripi”, do escritor Yutaka Maekawa, e assinado pelo próprio Kiyoshi Kurosawa em parceria com Chihiro Ikeda. Este trabalho prévio permite uma total compreensão das pessoas em relação as motivações dos personagens, no momento que a investigação policial pega fogo e vamos descobrindo quem é quem. De forma proposital e até maniqueísta, os protagonistas são bem definidos. O herói é branco, o vilão preto. Não existe espaço para tons de cinza e personalidades dúbias. Inegavelmente, outro mérito do texto que nos presenteia com o vilão mais icônico de 2016. Na pele destes carácteres, não dá para deixar de elogiar os atores Hidetoshi Nishijima e Teruyuki Kagawa, este último brilhante.

O filme de Kiyoshi tem diversas qualidades técnicas. Fã de Alfred Hitchcock, como revelou no documentário “Hitchcock/Truffaut”, de 2015, o cineasta conseguiu criar um ótimo clima de suspense durante toda a película. Para isto, ele teve a ajuda competente da trilha sonora de Yuri Habuka (elemento tão caro aos filmes do mestre britânico) e da direção de arte, que caprichou na escolha das locações que serviram de cenário. Uma casa, especificamente, instila medo de tal maneira com sua claustrofóbica versão de um ‘quarto do pânico’, que se me dissessem que ali vive o menino Toshio (um dos personagens da série de filmes de terror “Ju-on e The Grudge”) eu acreditaria, já que, segundo o folclore  japonês, quando uma pessoa morre de forma traumática ou violenta, seu espírito passa a assombrar o local da morte. Há, ainda, o excelente trabalho de câmera onde um dos principais destaques é uma ampla tomada aérea feita com um drone.

CREEPY, (aka KURIPI: ITSUWARI NO RINJIN), back, from left: Haruna Kawaguchi, Hidetoshi Nishijima,

Uma rápida pesquisa online revela que a palavra que serve de título para este longa-metragem possui múltiplos significados quando traduzida do inglês para o português. De certa forma, todos eles servem para definir Creepy, um filme que em muitos momentos consegue ser aterrorizante, arrepiante, bizarro e esquisito ao mesmo tempo. Logo, se ao fim da sessão alguém sentir a necessidade de colocar para fora toda a raiva reprimida com gritos ou xingamentos, tenham calma! Com certeza absoluta, esta pessoa não será a única a agir assim.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Kurîpî: Itsuwari no rinjin
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Elenco: Yuko Takeuchi, Hidetoshi Nishijima, Teruyuki Kagawa
Distribuição: Zeta Filmes
Data de estreia: qui, 17/11/16
País: Japão
Gênero: suspense
Ano de produção: 2016
Duração: 130 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN