CRÍTICA | ‘Custódia’, quando a criança se torna a vítima maior e refém dos pais

Giselle Costa Rosa

Uma longa sequência – na qual uma carta, acusando o pai de atos agressivos, é lida – apresenta Miriam Besson (Léa Drucker) e Antoine (Denis Ménochet), acompanhados por suas respectivas advogadas, à espera da decisão sobre a questão que se arrasta há um ano, desde a separação: a guarda exclusiva do filho caçula do casal, Julien (Thomas Gioria), de 11 anos, autor da carta. A outra filha, Joséphine (Mathilde Auneveux), maior de idade, não se encontra mais sob guarda parental.

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Antoine deseja a guarda compartilhada de Julien, argumentando que existe indícios de difamação e práticas que dificultam o contato dele com os filhos por parte de Miriam – já que o menino não quer passar mais os fins de semana com o ele e a menina prefere se manter o mais distante possível.

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A advogada de defesa, no início de Custódia (Jusqu’à la Garde), lê a conduta que versa sobre o caráter nobre e bom do pai descrito pelos colegas de caça ou do trabalho, contrastando com a vivência daqueles que lhe são próximos. O que ele faz na intimidade é semear o terror, a intimidação por meio da violência psicológica e física com a mulher e o filho. Se partirmos do pressuposto de que as mulheres são assassinadas, em geral, pelos seus companheiros por motivos como a separação, fica difícil acreditar na inocência de Antoine. Uma vez que se sinta machucado, preterido e frustrado, é desperto algo incontrolável dentro dele, da ordem da animosidade que, além de maus tratos, pode levar à morte da mulher e até mesmo dos filhos.

A apreensão fica por conta da decisão judicial. Na possibilidade desta se basear na impressão que o pai transmite às portas fechadas com as autoridades: nas lágrimas de um grandalhão contido, que ama o filho e que ainda não aceitou o fim da família. Atitude contrastante ao momento em que o pai, agressivo e armado, bate à porta do apartamento onde mora a ex-mulher.

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O diretor Xavier Legrand, também roteirista da trama, lança mão da ausência de trilha sonora, de planos de duração estendida e da força nos diálogos e conflitos para colocar o espectador como testemunha da desconfortável situação. E sai da dualidade bom/mau ao destacar aspectos do comportamento humano, colocando todos nos papéis de vítimas. Thomas Gioria traz uma atuação digna de grandes atores e rouba a cena em vários momentos. Léa Drucker vive muito bem a protagonista Miriam Besson. Do outro lado, temos Denis Ménochet, igualmente competente.

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O divórcio é um momento extremamente delicado para a família, principalmente quando envolve filhos menores, pois não há só a dissolução do lar. É muito comum haver o alinhamento da criança com um dos pais, comportamento que tente a mudar em um ou dois anos após a separação. Mas muitos, cegos em meio às suas tempestades emocionais, não querem esperar as coisas se assentarem e acabam dando vazão ao “monstrinho” que habita em si, dando início a uma sequência infindável de atitudes erradas e prejudiciais a si e aos que foram de seu convívio íntimo.

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Fica a sensação de que a Justiça – tanto em Custódia como na realidade – não consegue enxergar a “vida como ela é” longe dos tribunais, das falas prontas e aparentemente assertivas dos advogados, do medo sentido por quem sofre as agressões físicas e/ou psicológicas, as transmutações vivenciadas por quem se sente preterido e machucado – muito menos lidar com essas questões de forma efetiva.

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Entre o fogo cruzado, o menino, a vítima maior, vira refém dos pais e certamente trará marcas psicológicas profundas para a idade adulta. Um sofrimento que será quase intocável e que trará desdobramentos com potencial destruidor – de si e daqueles a sua volta.

::: TRAILER

https://youtu.be/Vt3HUYlEA80

::: FOTOS

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::: FICHA TÉCNICA

Título Original: Jusqu’à la Garde
Direção: Xavier Legrand
Elenco: Denis Ménochet, Léa Drucker, Mathilde Auneveux, Thomas Gioria, Yannick Hélary
Roteiro: Xavier Legrand
Distribuidora: Supo Mungam Films
Gênero: Drama
Países de Origem: França
Ano de produção: 2017
Duração: 93 minutos
Classificação: 14 anos

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN