Crítica de Filme | A Travessia

Cadu Barros

Robert Zemeckis é um dos diretores mais injustiçados e subestimados do cinema. Apesar de já ter um Oscar em seu currículo, merecia muito mais reconhecimento da crítica e da própria Academia. Algumas de suas obras estão entre os maiores clássicos do cinema contemporâneo (trilogia “De  Volta Para o Futuro”, “Forrest Gump”, “Náufrago”, “Uma Cilada para Roger Rabbit”) , mas o grande público não sabe que foi ele quem as dirigiu, e até atribui equivocadamente a outros diretores, como Steven Spielberg por exemplo, o crédito pelo sucesso desses filmes. Zemeckis é tão bom, que mesmo quando um longa-metragem dele não é brilhante, ainda fica bem acima da média, como é o caso de “Contato”, o recente “O Vôo” e este novo A Travessia. Protagonizado pelo ótimo Joseph Gordon-Levvit (“A origem”, “500 Dias Com Ela”, “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”), o filme conta a história real do francês Philippe Petit, que atravessou o topo das torres gêmeas em 1974 equilibrando-se em um cabo de aço.

O diretor, que também escreveu o roteiro ao lado de Christopher Browne, realiza um filme muito divertido, onde apresenta seus personagens de maneira bem-humorada e com uma atmosfera nostálgica que nos leva direto aos anos 70. O primeiro ato, em Paris, é primoroso. A fotografia em preto e branco com apenas alguns detalhes coloridos na sequência de abertura serve para ressaltar o quanto a arte é  importante para o protagonista, o qual é uma figura bastante interessante. O equilibrista mostra-se perfeccionista e ambicioso desde o início. Preza bastante pelo seu espaço de apresentação, nem que seja um círculo riscado no chão, e ai de quem violá-lo. Ao mesmo tempo, recusa-se a invadir o espaço de outro artista, mesmo que haja necessidade disso. Também é contagiante sua determinação e otimismo, pois na verdade ele é um grande sonhador.

Joseph Gordon-Levvit faz aqui seu melhor trabalho, com uma impostação de voz incrível e um sotaque francês convincente. O ator ainda consegue transmitir todo o temor por tentar o que ele mesmo chama de impossível, e ao mesmo tempo esbanja carisma e provoca uma identificação imediata com o público. Durante toda a obra nos tornamos cúmplices de Petit, assim como os outros integrantes do grupo, e espectadores deslumbrados como aqueles que o observam lá embaixo nas ruas de Nova Iorque. O restante do elenco também é fantástico, com destaque para a linda Charlotte Le Bon, que transforma a namorada do protagonista em uma mulher doce e companheira, e o veterano Ben Kingsley, que confere ao mestre de Petit sensibilidade e sabedoria na medida certa.

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A montagem ágil mantém o ritmo fluido o tempo todo, e a trilha sonora de outro subestimado, Alan Silvestri (o tema absolutamente brilhante e icônico de De Volta Para o Futuro é dele), transmite toda a magia e o sonho que a travessia representa para o artista e o público. Mas o maior atrativo da obra é a excelente fotografia que, auxiliada pela direção de arte, dá às torres gêmeas uma aura divina. Na verdade, o filme é uma grande homenagem a elas, e o ótimo 3D realça ainda mais a imponência dos prédios. Os planos e movimentos de câmera orquestrados por Zemeckis são deslumbrantes, principalmente o lindo contra-plongée que se inicia no chão e termina no topo de uma das torres.

Infelizmente, os efeitos visuais, por mais realistas que sejam, tiram um pouco a suspensão da descrença, já que o tempo todo sabemos que tudo aquilo é computação gráfica. Por isso, a tensão que a sequência principal deveria ter acaba sendo diluída, transformando-se infelizmente em apenas curiosidade. Ainda assim, A Travessia é mais um acerto de um dos melhores diretores de Hollywood, que mesmo 30 anos depois de seu maior sucesso ainda consegue nos surpreender.

FICHA TÉCNICA

Gênero: Drama
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Christopher Browne, Robert Zemeckis
Elenco: Adam Bernett, Ben Kingsley, Ben Schwartz, Benedict Samuel, César Domboy, Charlotte Le Bon, Christina Kelly, Clément Sibony, Daniel Harroch, Inka Malovic, James Badge Dale, Jason Blicker, Jason Deline, Jean-Robert Bourdage, Joel Rinzler, Joseph Gordon-Levitt, Karl Graboshas, Karl Werleman, Kwasi Songui, Larry Day, Mark Camacho, Melantha Blackthorne, Mizinga Mwinga, Sergio Di Zio, Soleyman Pierini, Steve Valentine, Trevor Botkin, Yanik Ethier
Produção: Jack Rapke, Robert Zemeckis, Steve Starkey, Tom Rothman

Cadu Barros

Cineasta e jornalista, já dirigiu curtas premiados e trabalha há 10 anos em televisão. Cinéfilo desde criança, é fanático por Star Wars, e inclusive já realizou um fan film da saga. Apesar de ter clara preferência por filmes de ficção científica, fantasia e adaptações de quadrinhos, Cadu curte tudo quanto é tipo de filme, desde este seja bem-sucedido em sua proposta narrativa.
NAN