Crítica de Filme | Aliança do Crime
Bruno Giacobbo
Quando falamos em máfia, há uma tendência natural em pensarmos em italianos elogiando mulheres, comedores de espaguete e gente conversando tão alto que parece estar gritando. Normal. A palavra, hoje, usada para denominar qualquer grupo organizado com o objetivo de cometer sistematicamente algum ato criminoso (do apito, do INSS, só para citar exemplos brasileiros), surgiu na Itália. Em uma das versões mais aceitas pelos historiadores, sua origem vem da palavra árabe “mahas”, da época que os mouros estiveram na península itálica, que significa “gabar-se”. E, justiça seja feita, os mafiosos que conhecemos, os dos filmes, gostam de contar vantagem. Além disto, no mundo real ou na ficção, os gângsteres mais notórios como Al Capone, Lucky Luciano ou Vito Corleone, eram todos ítalo-americanos. Contudo, nos Estados Unidos, eles sempre tiveram a concorrência de judeus e irlandeses. Só que estes nunca foram tão famosos aos olhos dos leigos e, com a honrosa exceção de “Era Uma Vez na América” (1984), que mostra uma gangue judia, não tinham, até este momento, um filme que pavoneasse sua história. Baseado no livro homônimo, Aliança do Crime, estrelado por Johnny Depp e Joel Edgerton, chega para reparar este equívoco cinematográfico, nada abonador, em relação aos irlandeses.
Boston, final da década de 70. James “Whitey” Bulger (Johnny Depp) é o líder de uma gangue irlandesa, relativamente pequena, que controla a venda de drogas, jogatina e ‘oferece’ serviço de proteção aos comerciantes do bairro de Winter Hill e arredores. Fazem parte da quadrilha Stevie Flemmi (Rory Cochrane), braço direito e confidente do chefe, Johnny Martorano (W. Earl Brown), que atua como matador do grupo, e o jovem Kevin Weeks (Jesse Plemons). A presença da poderosa máfia italiana no restante da cidade impede que eles alcancem vôos mais altos. No entanto, com a entrada em cena de John Connolly (Joel Edgerton), um agente do FBI que conhece Bulger desde a infância, a balança do poder mudará de direção. O policial tem um plano mirabolante em mente: cooptar seu velho amigo como informante, já que a prioridade dos federais é acabar com os carcamanos. Ele fará tudo até seus superiores concordarem. O problema é que o que deveria ser um serviço de informação onde, em tese, determinadas regras teriam que ser seguidas à risca, para Bulger e o próprio Connolly será uma aliança para cometer crimes sob o olhar complacente da lei.
Terceiro longa dirigido por Scott Cooper, o mais famoso é “Coração Louco” (2009), obra que deu o Oscar de melhor ator para Jeff Bridges, o filme (assim como o livro) joga luz sobre um dos maiores escândalos policiais da história norte-americana. Por mais de 20 anos, alguns agentes do escritório do FBI, em Boston, deixaram que Whitey e seus comparsas agissem livremente com a desculpa de que eles eram somente meros informantes. E à medida que a máfia italiana foi sendo desmantelada com seguidas prisões, os irlandeses passaram a ocupar os espaços vagos e a expandir seus tentáculos criminosos para outras regiões da cidade. Um dos fatores que deram mais visibilidade a este caso foi o fato do irmão caçula do mafioso, William Bulger (Benedict Cumberbatch), ocupar a presidência do Senado Estadual de Massachussets, embora não fique claro em momento algum o quanto ele usou o cargo para favorecer a quadrilha. Para contar esta história chocante, o cineasta apostou tudo nos seus dois protagonistas. E as coisas funcionaram muito bem.
É através de Bulger e Connolly que nos enfiamos neste emaranhado de podridão. Eles são os condutores da trama. Logo, se os atores escalados para os papéis fossem mal, consequentemente, todo o filme ruiria. Apesar de esta ser uma obra sobre o crime organizado, esqueça aquela violência plástica de outras películas. Há tiros, mortes e porradas, há até mais porradas do que tiros e mortes, mas eles não são o mais importante. O olhar tem que ser direcionado para o lado comportamental da coisa. Manipulação e cinismo são as duas palavras que resumem o longa-metragem, ambas personificadas, respectivamente, por Depp e Edgerton. O primeiro entrega sua melhor atuação em anos. Parece livre da persona que incorporou desde a franquia “Piratas do Caribe”. Tem toda uma maquiagem feita para fazê-lo parecer com o personagem real, mas ele vai além. A composição é a de um homem de poucas palavras, que não se gaba como os mafiosos tradicionais, o que o torna ainda mais ameaçador. Sua eloquência vem do silêncio e do penetrante olhar azul. Já o segundo chega a irritar nas cenas em que defende seus pontos de vistas. Seu cinismo é de uma canastrice convincente.
Aliança do Crime é uma obra diferente sobre a máfia. Não há aquele falatório em torno da mesa e de um bom prato de macarrão, ainda que existam duas excelentes cenas passadas durante uma refeição. É um filme de atuações que vem confirmar Cooper como um promissor diretor de atores. Além dos protagonistas, vale destacar coadjuvantes como Corey Stoll, na pele do procurador federal Fred Wyshak, o cara que acaba com a festa da bandidagem, e Cumberbatch, em papel menor do que nos acostumamos a ver. Contudo, não é apenas isto. Seria minimizar aspectos como, por exemplo, o roteiro que nos brinda com alguns diálogos inspirados e o trabalho de montagem. De resto, é o filme que faz justiça (ou seria injustiça?) a história dos gângsteres irlandeses no submundo do crime norte-americano.
Desliguem os celulares e excelente diversão.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Scott Cooper.
Roteiro: Jez Butterworth e Mark Mallouk.
Produção: John Lesher, Patrick McCormick, Brian Oliver e Tyler Thompson.
Elenco: Johnny Depp, Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Rory Cochrane, Kevin Bacon, Jesse Plemons, Peter Sarsgaard, Dakota Johnson, Corey Stoll, David Harbour, Julianne Nicholson, Adam Scott, Brad Carter, W. Earl Brown, Juno Temple, Erica McDermott, Bill Camp, Scott Anderson, David De Black, Jamie Donnelly, Patrick M. Walsh, Jeremy Strong e James Russo.
Trilha Sonora: Junkie XL.
Direção de Fotografia: Masanobu Takayanagi.
Montagem: David Rosenbloom.
Duração: 122 minutos.
País: Estados Unidos.
Ano: 2015.