Crítica de Filme | Branco Sai, Preto Fica

Bruno Giacobbo

Grande vencedor do Festival de Brasília, em 2014, apontado como um dos destaques do Festival de Viena deste ano, pelo prestigiado ‘The Hollywood Reporter’, Branco Sai, Preto Fica, é o segundo longa-metragem de Adirley Queirós, um ex-jogador de futebol que, ao ser obrigado a largar o esporte devido a uma grave contusão, decidiu cursar uma faculdade de comunicação com especialização em cinema. No centro de sua trama, uma história real. Ceilândia, 1986. O baile de ‘black music’ do Quarentão termina em confusão. Após uma batida policial, dois homens, ambos negros, são feridos e suas vidas nunca mais serão as mesmas. Nenhum branco se feriu. E nem poderia, afinal, na hora da invasão, os policiais gritaram as palavras de ordem que batizam esta história. O clássico caso de preconceito e abuso de autoridade que poderia ter rendido um ótimo filme se o cineasta tivesse optado por uma narrativa um pouco mais convencional.

Branco Sai Preto Fica Meio 1

Aos dois homens feridos, Marquim e Sartana (ou Shokito), o diretor-roteirista acrescentou um terceiro e fictício personagem: Dimas Cravalanças (Dilmar Durães). Usando como transporte uma tosca máquina do tempo em forma de contêiner, ele veio do distante ano de 2073 para investigar o que aconteceu no baile e provar que o Governo Brasileiro é responsável pela sistemática opressão das classes mais humildes. A partir da inserção deste novo elemento, o filme passa a sofrer de um sério problema de dupla personalidade. Em alguns momentos, ao mostrar a rotina deles, o que fazem da vida hoje ou dar voz as suas lembranças e frustrações por meio de depoimentos, ele assume ares de documentário. Contudo, quando o foco passa a ser o viajante do tempo e sua missão, ele se transforma em uma ficção científica de viés marxista onde os moradores das cidades satélites precisam de passaporte para entrar em Brasília. Uma viagem autoral que serve apenas para segregar o público comum do cinéfilo mais engajado, mal comparando, como a polícia agiu com negros e brancos no Quarentão.

Branco Sai Preto Fica Meio 2

Branco Sai, Preto Fica é um arroubo criativo mal sucedido. Um exercício estilístico desnecessário, descontextualizado, que dificulta para quem não é da região a identificação com a história. O material em mãos era bom. Bastava seguir o caminho tradicional. Um documentário com fatos concretos, embasado por uma boa pesquisa, seria perfeito para dar voz a mais este caso de abuso de poder e discriminação. No entanto, ao tentar camuflar seu trabalho em ficção científica, o diretor enveredou pela ideia pré-concebida (e defendida por muita gente) de que se não for filme de arte não serve. Assim, ele se esqueceu da premissa básica de que cinema é, naturalmente, uma forma de arte. Além disto, não há nenhum problema em se produzir algo convencional. O convencionalíssimo “Cassia” (2014) emociona e funciona de uma maneira que a obra de Queirós jamais conseguiria sonhar.

Desliguem os celulares.

BEM NA FITA: Dar voz a dois personagens que, como tantos outros brasileiros, sofreram discriminação e com o abuso de poder. Mesmo que isso tenha acontecido muito pouco ao longo do filme.

QUEIMOU O FILME: A forma como o diretor decidiu filmar a história, misturando realidade com ficção científica. Deste jeito, ele desperdiçou um bom material realizando um filme descontextualizado e segmentado.

FICHA TÉCNICA:

Direção, roteiro e produção: Adirley Queirós.
Elenco: Marquim, Shokito, Dilmar Durães, DJ Jamaika e Gleide Firmino.
Diretor de Fotografia: Leonardo Feliciano.
Duração: 90 min.
Ano: 2015.
País: Brasil.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN