Crítica de Filme | Chatô – O Rei do Brasil

Blah Cultural

Chatô – O Rei do Brasil. Você que se considera um bom cinéfilo já deve ter ouvido falar sobre esse filme. Sim, estamos falando daquele longa-metragem produzido e dirigido por Guilherme Fontes em… 1995. Talvez a palavra certa seja “desde” 1995, já que o desenrolar da produção foi de uma enrolação só, para ficarmos no trocadilho.

Inspirado no livro homônimo do escritor Fernando Morais, Chatô – O Rei do Brasil teve sua produção interrompida em 1999 sob a suspeita de que, na primeira tentativa de lançar-se como diretor, Guilherme Fontes tenha se envolvido em um grande escândalo de mau uso de verbas governamentais destinadas ao cinema e à cultura.

O ator e diretor Guilherme Fontes chegou a ser condenado a três anos, um mês e seis dias de reclusão por sonegação fiscal pela juíza da 19ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Denise Vaccari Machado Paes, mas não foi preso. Por decisão judicial, a pena foi convertida em trabalho comunitário de sete horas semanais – pelo mesmo período -, além do pagamento de 12 cestas básicas de R$ 1 mil para instituições sociais no Rio de Janeiro.

Por conta da importância da obra, o BLAH CULTURAL enviou Alan Daniel Braga e Bruno Giacobbo, dois de seus críticos mais rigorosos, para a exibição do filme para a imprensa. E mesmo com todos os problemas durante sua produção, Chatô – O Rei do Brasil surpreendeu a todos pela sua qualidade. Confira abaixo as duas críticas, assista ao filme e divida sua opinião conosco!

“E NÃO É QUE É BOM?”, por Alan Daniel Braga

“Eu vi Chatô… E não é que achei bom?” Talvez essa frase se repita nos próximos dias. O motivo pelo qual a maioria das pessoas poderia ficar com um pé atrás com o “novo” filme da Guilherme Fontes Produções a maioria das pessoas já sabe qual é…

Após captar um orçamento milionário para um megaprojeto multimídia, ser acusado de desvio de dinheiro, mau uso do dinheiro captado, falta de experiência administrativa – na mais amena das acusações, Guilherme Fontes e sua sócia, Yolanda Machado Medina Coeli, tiveram que responder a um processo que lhe custou caro, na ordem de dezenas de milhões de reais. Da captação para cá, já se vão 20 anos. Com os problemas administrativos e econômicos, o filme foi apontado como exemplo, virou piada, e acabou sendo responsável por mudanças essenciais na legislação audiovisual brasileira. A incerteza era grande e muitos apostavam que o filme jamais chegaria às telas. Caso chegasse, estaria longe do idealizado e, por se tratar de um filme pensado há anos, poderia estar defasado, seja em técnica ou em linguagem.  Mas o filme também teve 20 anos a favor dele e, antes que o filme sobre o filme seja produzido, hoje eu venho aqui para dizer: Eu vi Chatô… E não é que achei bom?

É possível que nunca venhamos saber o que vai ali do projeto inicial… Nas devidas proporções, sem querer comparar qualidade e importância histórica, o filme tem um quê de “Cidadão Kane” (com direito a um jovem com pretensões a la Orson Welles por trás da câmera), com pitadas de “All That Jazz”. O roteiro, uma livre adaptação da biografia escrita por Fernando Morais, assinado por João Emanuel Carneiro, Matthew Robbins e pelo próprio Fontes, usa de delírios e memória para narrar os fatos de forma não-linear. Isso faz o filme. Os fatos, aliás, nem sempre são os fatos, assim como nem todos os personagens são reais. Há uma permissividade saudável ao se misturar personalidades , mudar nomes e criar outros personagens que sirvam à narrativa e sejam eficazes no objetivo principal do projeto: mostrar a essência de Assis Chateaubriand. Humor e ritmo são necessários e bem-vindos.

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A direção de Fontes, na mais longa estreia que o cinema brasileiro jamais irá ver, é segura. Embora algumas decisões imagéticas não sejam ideais, nada fica comprometido. A montagem dá o tom e segue fluida. Em dois momentos, no entanto, tive a sensação de que rápidos cortes estavam mais para problemas técnicos do que necessariamente uma escolha racional.

A despeito de todo cuidado técnico, é na Arte que Chatô – O Rei do Brasil realmente mostra o porquê do orçamento. Cenários, figurinos, adereços, locações, nada deixa a desejar. Arte grande para um filme grande. E o mesmo pode ser dito de alguns efeitos visuais, que ambientam o Rio da época. A fotografia certamente se serviu do tempo e também de parte da polêmica verba. Certo de que veria uma qualidade datada, um filme de retomada, foi agradável ver que a imagem chega sem dever para os pares atuais.

E de todo esse tempo de espera, quem mais pode comemorar pelo nascimento do filme é, sem dúvida, o ator Marco Ricca, que vive o próprio Chatô. Ricca não apenas tem destaque pelo protagonismo, mas pela empatia e preciosismo, numa atuação que está entre as melhores de sua carreira. Andrea Beltrão faz seu papel e não desaponta como Vivi, a mulher impossível, uma personificação de poder e desejo. Paulo Betti, apesar do sotaque um tanto forçado, também consegue imprimir alguma verdade. Dentre os demais, quem mais sofre por ser uma produção filmada há 15 anos é a ainda jovem e “iniciante” Leandra Leal. Bom para a atriz, que, apesar de não estar necessariamente prejudicada no papel de Lola, mostra que evoluiu. Ruim para o filme, que deixa certo estranhamento.

Chatô – O Rei do Brasil chega, enfim, às telas, com potencial histórico, midiático e qualidade. Vale agora esperar para ver até onde o longa vai chegar. Porque essa história ainda não chegou no fim.

“UM DOS MELHORES DE 2015”, por Bruno Giacobbo

Em 1995, quando foi iniciada a produção de Chatô – O Rei do Brasil, muita coisa era diferente. A presidência era ocupada por Fernando Henrique Cardoso. No futebol, nossa seleção recém conquistara o tetra e Romário era o ídolo de toda uma geração de meninos. E só para ficar no campo das artes, “Quatrilho”, primeiro filme nacional a ser indicado ao Oscar, era uma das sensações daquele ano. Duas décadas depois, o longa-metragem dirigido, roteirizado, produzido e distribuído por Guilherme Fontes estreará em salas do Rio de Janeiro e de São Paulo, deixando para trás um rastro de escândalos que culminou na condenação de seu autor a três anos de prisão por sonegação fiscal. Posteriormente, a sentença foi comutada em pagamento de uma multa somada à realização de serviços comunitários. Muita gente já não acreditava que ele viesse a ser exibido, mas o resultado está aí para quem quiser conferir. Imbróglios à parte, a pergunta que não quer se calar é a seguinte: valeu a pena esperar tanto tempo? Sim, o filme é excelente.

Inspirada no livro homônimo de Fernando Morais, que foi adaptado para as telonas, entre outras pessoas, pelo autor de novelas João Emanuel Carneiro e o próprio diretor, esta é uma obra que foge completamente daquele modelo engessado de cinebiografias tradicionais. Não há uma narrativa linear. Assis Chateaubriand (Marco Ricca), o paraibano humilde, gago na infância, que se tornou um jornalista e advogado de sucesso, é visto deitado, enfermo. Vitima de uma trombose, a vida passa diante de seus olhos como se fosse um sonho surrealista. Nesta viagem onírica de sua imaginação, ele está prestes a participar, como réu, de um programa de TV chamado “O Julgamento do Século”. Na plateia, as suas duas ex-esposas (Letícia Sabatella e Leandra Leal) e todas as mulheres com quem fornicou. Seu advogado de defesa é o fantasma do presidente Getúlio Vargas (Paulo Betti), representado a acusação, um rival, Carlos Rosemberg (Gabriel Braga Nunes), personagem que mescla características de Samuel Wainer e Carlos Lacerda.

A forma escolhida por Fontes para contar a história, somada a excelente montagem executada pela dupla Felipe Lacerda e Humberto Martins, deram conta daquele que poderia ser o ponto fraco do longa: a contextualização precária de alguns dos fatos mais importantes ocorridos ou protagonizados por Chatô. No entanto, como desde o começo fica absolutamente claro que se trata de um sonho, esta ‘falha’ é perdoável. A sensação que tive, ao longo de toda a projeção, foi a de estar assistindo um desfile de escola de samba assinado por Fernando Pamplona. De jornalista para jornalista, Stanislaw Ponte Preta talvez dissesse se tratar de um autêntico samba do crioulo doido, só que, neste caso, eu trocaria o adjetivo: o rapaz é genial e não maluco. Com uma abundância de cores, plumas, paetês, cocares e roupas de sertanejo para todos os lados, é quase impossível não embarcar nesta viagem.

O roteiro, além de não narrar tudo obedecendo a uma ordem cronológica precisa, nos presenteia com diálogos repletos de picardia e que servem de trampolim para o elenco brilhar. Marco Ricca tem de longe a melhor atuação de sua carreira. Se este fosse um filme norte-americano, ele concorreria a todos os prêmios da temporada. Livre, leve e solto na tela, sua versão para um dos personagens mais emblemáticos dos 500 anos de história tupiniquim não requer podas. Tudo está na medida certa. Paulo Betti e Gabriel Braga Nunes, ora como aliados, ora como antagonistas, também estão muito bem. Contudo, é a atriz Andrea Beltrão que rivaliza com o protagonista. Personagem fictícia, Vivi Sampaio é inspirada na socialite Aimeé Soto-Maior de Sá. Ela representa a ruína de Chatô. Só havia uma coisa da qual o homem que construiu um império com rádios e jornais por todo país gostava mais do que o poder. De mulheres. Elas foram a perdição do milionário.

Apesar do tom bem-humorado, Chatô – O Rei do Brasil é um retrato assustadoramente real e atual do poder da imprensa nos nossos tempos. Era assim no período do histórico compreendido pelo filme, entre os anos 30 e 60, e persiste até hoje. Sem medo de ser leviano, é uma versão ameríndia de “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles. As semelhanças são claras, a começar pelo fato de seus protagonistas, Assis Chateaubriand e William Randolph Hearst (batizado aqui de Charles Foster Kane), estarem no leito de morte e realizarem esta retrospectiva. Depois, pelo paralelo que dá para ser feito entre ambos e o poder que exerceram em suas respectivas nações. E há, ainda, coincidências entre os cineastas. Fontes e Welles eram jovens atores com uma carreira inteira pela frente, decidiram tocar um projeto grandioso e pagaram um preço por isto (sem querer comparar, claro, a natureza dos problemas que enfrentaram ou a qualidade artística dos dois diretores). O filme ianque virou uma referência, citado em quase todas as listas de melhores filmes de todos os tempos. O que acontecerá com o brasileiro somente o tempo dirá. Por ora, ele é, com certeza, um dos melhores de 2015.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

FICHA TÉCNICA:

Direção: Guilherme Fontes

Elenco: Marco Ricca, Andrea Beltrão, Paulo Betti, Leandra Leal, Gabriel Braga Nunes, Letícia Sabatella, Guilherme Fontes e outros.

Gênero: Drama

Nacionalidade: Brasil

Ano de produção: 1995

Lançamento: 19 de novembro de 2015

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