Crítica de Filme | Cinderela

Bernardo Moura

Era uma vez uma jovem de olhos castanhos e rabo de cavalo que era muito vaidosa. Ela encontra este que vos escreve e conta que estava super animada para assistir à nova versão do filme Cinderela. A jovem demonstrou tanto entusiamo que me fez perguntar o motivo. A resposta veio de imediato: “Foi o filme da minha infância”. Minutos depois, ela contou em detalhes a animação que havia marcado os seus dias quando era pequena. Da minha parte, eu nem lembrava direito do filme.  Segundo ela,  a irmã mais nova e ela adoravam representar para elas mesmas diante do espelho as personagens da história. Quiçá para os pais, que as olhavam com um olhar carinhoso.  Bem, depois de ter me encontrado com esta jovem moça, este jovem rapaz aqui, de olhos castanhos, foi correndo para casa assistir ao filme de outrora.

O filme original, na verdade, um desenho animado, data de 1950. Inspirado na obra legítima do escritor francês Charles Perrault, de 1697, o tempo é um fator altamente importante na história. A animação retrata uma jovem loira e de olhos azuis que é terrivelmente feita de escrava por sua madrasta. Com muito “Oh vida! Oh azar” e algumas cantorias, a loira passava os dias naquela vidinha miserável.  O que facilitava era a presença dos ratinhos, cavalos, passarinhos e outros animais que lembravam à moça a sua alegria de viver desde que nascera. Por quase 55 minutos de história, o filme destacava este tema. Era só na parte final que o príncipe aparecia de “paraquedas” para salvar sua donzela deste castigo e viverem “felizes para sempre”.  Para realidade daquela década de 50, a jovem fazia o que todas as mulheres eram criadas para fazer: lavar, passar, cozinhar, trabalhar e esperar o seu príncipe encantado bater à sua porta.  A jovem loira de rabo de cavalo, lá do começo da história, que é uma amiga minha de anos,  disse que este fantasma de esperar pelo homem perfeito a assombrou durante muito tempo. Desde quando ela assistiu ao filme pela primeira vez até a metade da juventude!

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Esta nova versão de Cinderela que estreia nesta quinta-feira muda isso. Ou melhor, rearranja os valores da jovem moça, e com isso é um retrato da sociedade atual. A mulher que era loira de olhos azuis, agora é loira de olhos castanhos. Ela, que vivia apenas para trabalhar em prol dos outros, agora, é um ser humano completo, com um uma base familiar bem forte e com sua preocupação com o próximo. Seus pais a criaram para a vida e para o mundo, nunca esquecendo-se de dois toques importantes: coragem e gentileza. A carismática Ella (Lily James) tenta colocar em prática o que lhe foi ensinado quando começa a conviver com sua madrasta (Cate Blanchett) e suas filhas Drisella (Sophie McShera) e Anastasia (Holiday Gringer). Dirigido por Kenneth Branagh (o mesmo de “Thor”), o longa apresenta um embate entre ideologias do bem contra o mal. Ou melhor: o embate entre duas culturas diferentes, que, muitas das vezes, acontecem bem dentro de nossa própria casa. Não é mesmo?

Do mimimi do primeiro filme, Ella aproveita os trabalhos que têm a fazer diariamente pra fugir de sua realidade, de sua família, no segundo. Isso, claro, com a ajuda de seus ratinhos, passarinhos e afins. O príncipe (Richard Madden) de olhos azuis não aparece somente no final.  Ele aparece bem antes quando a moça não aguenta a escravidão na qual se encontra e tenta fugir de casa. Além disso, há traços de corrupção e intriga realizados pelos personagens de Blanchett e o grão-duque (Stellan Skarsgård). Há até um gosto por sapatos, um dos gostos universais da mulherada atualmente, quando a personagem veste os seus sapatinhos de cristal. OBS: Não estranhe caso veja alguma celebridade vestindo modelos parecidos em alguma foto na internet após o lançamento deste longa.

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O que faz o filme de 105 minutos ficar tão gostoso de se assistir são as belíssimas atuações, principalmente de Cate, Lily e de Hellena Bonham Carter (eu adoro esta mulher) como fada-madrinha; a fotografia transcendental , que permite um belo vestido se tornar uma maravilhosa vestimenta com toques singelos, vide uma das fotos que ilustram este texto; e o recurso de como se contar uma história. O roteiro utiliza o humor, e não falo aqui das irmãs atrapalhadas, mas também na própria metalinguagem de si mesmo.  Além do recurso de narrador, o roteiro brinca consigo mesmo e coloca na boca dos personagens os jargões conhecidos universalmente nos livros de contos infantis.  Uma boa sacada!

A parte malévola da história é que os estúdios Disney poderiam ter aumentado o orçamento de 95 milhões de dólares e ter colocado este filme em 3D. Iria ser sensacional! Mas, calma, para quem é fã das estripulias do grafismo não irá se decepcionar: há alguns gráficos, típicos dos estúdios, que tornam a história ainda mais encantadora. Outra maçã podre no pomar da menina Ella é a falta de música no longa. Não, não estou falando que o filme é mudo. Apenas que, assim como os sucessos de “Frozen: uma aventura congelante” (2013) e “Encantada” (2007), Cinderela poderia vir um pouco mais musical, com seus atores cantando músicas do tipo “Let it go“. Diferentemente dos dois supracitados, Ella só canta na parte final.

Portanto, a Cinderela original marcou gerações durante 65 anos. Esta nova versão provavelmente irá fazer o mesmo.  A Disney acertou e compensou a expectativa, ao contrário do fraco “Alice no País das Maravilhas” (2010). Tenho certeza que a loira de rabo de cavalo e tanta outras moças que conhecem a história irão ser felizes para sempre após ter visto este filme.

BEM NA FITA: Atuações. Fotografia. Roteiro brincante. Recursos gráficos.

QUEIMOU O FILME: Não ser 3D. Não ser um filme mais musical.

FICHA TÉCNICA:

Título Original: Cinderela
Gênero: Drama, Família, Fantasia, Romance
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Chris Weltz
Elenco: Cate Blanchett, Lily James, Richard Madden, Helena Bonham Carter, Nonso Anozie, Stellan Skarsgård, Sophie McShera, Holliday Grainger, Darek Jacobi, Ben Chaplin, Hayley Atwell, Rob Brydon, Jana Perez, Alex McQueen e Tom Edden
Fotografia: Haris Zambarloukos
Trilha Sonora: Patrick Doyle
Produção: Simon Kinberg
Duração: 105 min.
Ano: 2014
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia:  26/03/2015 (Brasil)
Distribuidora: Disney/Buena Vista

Bernardo Moura

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