Crítica de Filme | Coração de Cachorro
Larissa Bello
Para quem não conhece, Laurie Anderson é uma artista americana, que foi casada com Louis Reed por 21 anos, até o seu falecimento em 2013. Ela é uma daquelas pessoas multitalentosas, multimídia e multiartística, que elabora performances musicais, poético-filosóficas-audiovisuais. O seu mais recente trabalho é o filme “Coração de Cachorro” (Heart of a Dog, 2015), que se trata de uma incrível experiência visual e sensorial sobre a temática não só do ser canino, como do ser humano.
O filme pode ser considerado uma espécie de documentário reflexivo-biográfico-filosófico-poético a respeito da vida, da morte, do amor, do tempo e a relação comportamental humana/animal, de lidar com tais fatores.
Narrado pela própria Laurie, o filme começa com uma imagem em animação, ilustrada também pela artista, narrando a história da chegada da sua cadela, uma rat terrier, chamada Lolabelle. E é a partir de Lolabelle que a narrativa é construída para que Laurie possa desencadear sua linha de pensamento e reflexão a respeito de fatos que ocorreram no mundo e na sua vida pessoal. Tudo isso intercalado por imagens, ora mais artísticas, ora mais “reais”.

Durante a narrativa e narração do filme, Laurie traça paralelos e metáforas interessantes. Como, por exemplo, o episódio durante um passeio com Lolabelle, onde ambas percorrem uma longa trilha e alguns gaviões tentam atacar sua cachorrinha, talvez por pensarem se tratar de um coelho. E como isso fez com que a cadela ganhasse um olhar diferente ao olhar para o céu, pois sua atenção deixava de ter o foco apenas para o chão e para os lados, agora ela precisava também se atentar para os perigos que poderiam vir do ar. Em seguida, Laurie, traça um paralelo com o atentado de 11 de setembro de 2001, e de como o olhar das pessoas parecia com os de Lolabelle depois do atentado. Porque a ameaça terrorista, a partir daquele momento, também poderia vir do céu.
Coração de Cachorro é uma experiência sensorial sobre a vida, a morte, o amor e o tempo!
Incialmente, o filme pode dar uma impressão de ser apenas um vídeo-arte com uma colagem de imagens aleatórias, porém, Laurie consegue estabelecer e conduzir essas imagens com um desencadeamento narrativo bem elaborado e sensivelmente inteligente.
Além desses paralelos e metáforas, ela ainda traz magníficas citações provenientes da filosofia budista, principalmente quando menciona a morte. De acordo com o Livro Tibetano da Morte, não é permitido chorar pelos seres que morrem. Isso porque chorar pode confundir os mortos e não queremos chamá-los de volta, porque eles não podem voltar. E ela conta que o seu professor budista lhe dá a seguinte dica: “Toda vez que você pensar em alguém que já morreu, faça uma gentileza ou doe alguma coisa”. E ela responde: “Então nunca vou parar de doar coisas!”. O professor lhe retruca simplesmente dizendo: “E daí?” Em seguida, Laurie, chega a sua própria conclusão a respeito de uma conexão entre o amor e a morte: “o propósito da morte é a libertação do amor”.
No filme ela relata a morte de sua cadela, de um amigo e da sua mãe. Lou Reed aparece rapidamente somente no final e sem que ela faça nenhuma citação direta a ele. Contudo, um filme com um olhar narrativo tão pessoal funciona como um exercício catártico para a própria artista lidar com seus processos de cura das perdas e dores que já sofreu. E Laurie consegue fazer isso sem soar deprimente ou piegas, pelo contrário, a delicadeza da sua obra consegue se articular de forma que eleve e enalteça a vida como uma experiência única, que, ao mesmo tempo que nos aterroriza e nos deslumbra.
Ficha técnica
Diretora e roteirista: Laurie Anderson
Fotografia: Laurie Anderson, Joshua Zucker Pluda, Toshiaki Ozawa
Produção: Canal Street Comunications
País: EUA / França
Duração: 75 min
Ano: 2015
Larissa Bello
Graduada em Rádio & TV. Pós-graduada em Leitura e Produção Textual. Capixaba, residiu por 8 anos no Rio de Janeiro, onde atuou em diversas áreas do audiovisual. Atualmente reside em Fortaleza/CE, onde é afiliada da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema) e é autora do blog Cine em Foco (https://cineemfoco.blogspot.com/).















































