Crítica de Filme | Ela
Giselle Costa Rosa
O longa-metragem Ela provavelmente não levará o Oscar de melhor filme. Não por falta de merecimento, mas frente aos demais concorrentes talvez não seja o favorito da Academia, pois representa o ponto fora da curva. O belíssimo roteiro que se constitui como uma fábula futurista e romântica, um certame melancólico, no qual o solitário Theodore Twombly, sujeito introvertido e antissocial, vivido por Joaquin Phoenix (Gladiador, Johnny & June, Os Donos da Noite), se apaixona pelo sistema operacional de seu computador.
A história parece ser livremente inspirada no Siri, sistema lançado pela Apple em 2011, que ajuda os usuários a organizarem sua agenda, ler e enviar e-mails, postar no Twitter e Facebook, dar play numa lista de música e buscar por informações como, por exemplo, onde comer. Ele é programado não só para responder a uma ação do usuário, mas também entendê-la e apresentar a melhor alternativa possível dentro de um contexto. O inovador OS1 do filme, assim como o Siri, é um assistente pessoal. Permite que haja diálogo entre quem o utiliza e o computador, enquanto tarefas diárias são executadas, sem que para isso seja necessário utilizar as mãos. Na trama, com o passar do tempo, o sistema operacional vai se tornando mais inteligente e, ao passo que conhece o seu perfil, direcionando suas ações para as possíveis tarefas que você deseja realizar, ampliando sua eficiência, levando o protagonista a se surpreender com tamanho conhecimento e sensibilidade sobre seus desejos. A voz escolhida como interlocutora do OS1, Samantha, é da atriz Scarlett Johansson (Encontros e Desencontros; Vicky Cristina Barcelona), o que nos ajuda a adentrar nessa fantasia (quase) romântica com sua interpretação quente e sedutora.
E ninguém melhor pra vivenciar esses imbróglios de amor que Theodore, um “ghost writer” que passa o dia no computador ditando cartas românticas impressas em papéis de carta coloridos com fonte imitando escrita à mão. O futurismo moderninho hipster e o climinha vintage, com personagens masculinos usando calça de cintura alta e onde quase todos têm bigode, dão o tom da fotografia e dominam o figurino longa.
O diretor Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich, Adaptação), fez um filme que fala sobre intimidade. Do desejo de compartilhá-la com alguém. E, talvez, o ponto alto da história seja esfregar na nossa cara o quanto é difícil cultivá-la sem anular-se ou tornar-se combativo. Mostrar como o relacionamento entre Seres Humanos e, como disposto no longa, entre máquinas e pessoas, também se desgastam e transmutam. Jonze é também muito conhecido por fazer videoclipes descolados. Dirigiu de Björk, em “It’s Oh So Quiet”, à “Sabotage”, dos Beastie Boys. Também se fez presente em “Praise You”, do DJ Fatboy Slim. Além de cultivar um estreito relacionamento com Arcade Fire, parceiros na bela trilha sonora de “Ela”.
Com a solidão sempre à espreita, nem uma infinidade de aplicativos de encontro dão conta de dissipá-la. Parece que a tendência será, num futuro não muito distante, humanos se apaixonarem por máquinas e, disso, florescerem relacionamentos amorosos. Jonze nos faz crer que um coração partido, após o final de um relacionamento, deixa-nos vulneráveis, a ponto de sucumbirmos frente a uma voz feminina/masculina com atributos de perspicácia, sensibilidade, humor. Aliás, o diretor acerta na inserção de cenas pra lá de engraçadas que desanuviam o sentimento de angústia que permeia a trama.
A busca incessante pela intimidade no mundo pós-moderno é o cerne. Como transpor os não-conformes advindos das relações? “Fagocitamos” muitas coisas ao longo de um namoro, casamento em prol de uma estabilidade emocional conjunta. Mas qual seria o preço a pagar por tudo isso? A todo o momento novas conexões vão se estabelecendo, novas relações se firmando ao passo em que outras que vão se deteriorando, e o que fica conosco senão nossa própria essência ao final do processo? Será que ficaremos mais distantes uns dos outros e mais individualistas? Não sei, mas fato é que amigos, reais e leais, são o alicerce de uma vida, como bem demostra o filme.
BEM NA FITA: fotografia, trilha sonora, a atuação de Joaquin Phoenix e, sem dúvida, a cena em que o protagonista conversa com o personagem do vídeo game.
QUEIMOU O FILME: perda de ritmo após o ponto de virada dos OS.
[embedvideo id=”TggD91pV6KE” website=”youtube”]
FICHA TÉCNICA:
Nome: Ela (Her)
Direção: Spike Jonze
Roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson (voz), Amy Adams,Rooney Mara, Olivia Wilde, Chris Pratt, Matt Letscher, Portia Doubleday, Sam Jaeger
Fotografia: Hoyte Van Hoytema
Música: Owen Pallett
Produção: Megan Ellison, Spike Jonze, Vincent Landay
País: EUA
Gênero: Drama
Duração: 126 minutos
Ano: 2013