Crítica de Filme: Florbela

Giselle Costa Rosa

Em seu segundo filme, Florbela, o diretor português Vicente Alves do Ó não consegue realizar um bom trabalho. A impressão que fica depois de assistir ao longa é que a vida da poetisa Florbela Espanca, nas mãos de outro diretor, poderia ter se tornado um grande filme. A inexperiência pode ter contado, mas o que está feito, está feito. Vicente acerta quando foca num período específico da vida da poetisa, concentrando-se em seu terceiro casamento, quando resolve levar uma vida pacata numa região rural. Houve parcimônia ao abrir mão de colocar todos os elementos da vida dela num filme. Se o tivesse feito, aí sim poderíamos ter tido um desastre.

Na trama, numa Portugal atordoado pelo fim da I República, vemos Florbela (Dalila Carmo) se separando de forma violenta de António (José Neves), seu segundo marido, por estar apaixonada por Mário Lage (Albano Jerónimo). Acaba, então, refugiando-se numa província para encontrar estabilidade e escrever, porém essa vidinha de esposa exemplar não é conciliável com sua alma inquieta. Por conseguinte, não consegue escrever nem amar. Depois de tempos afastados, seu irmão Apeles (Ivo Canelas), oficial da Aviação Naval de licença em Lisboa, vai ao encontro de Florbela. Na cumplicidade do irmão aviador, ela procura dar vazão aos seus desejos reprimidos e mais uma vez se aventura pela vida. Em seu caminho amantes, revoltas populares, festas de foxtrote e uma quase incestuosa paixão fraternal (tema polêmico na biografia de Florbela).

O marido tenta resgatá-la para a “normalidade”, mas como prender uma alma em essência livre? Só os seus poemas parecem a manter sã. É neles que ela expõe seus verdadeiros desejos, suas paixões agressivas, sua forma derradeira de estar no mundo. E é por eles que seu marido Mário vai saber quem Florbela realmente é.

O inexperiente diretor tem um drama e tanto nas mãos, mas apenas preenche as cenas com uma música melodramática. A produção é bem cuidada nos aspectos cênicos, na caracterização da época, na escolha dos figurinos e locações. Não foi barato. Em Portugal, foi o filme mais visto em 2012.

Espanca era uma mulher pós-moderna que colocava seu prazer e desejos acima de qualquer homem ou moralidade. Ansiava por ser livre, mas teve suas incursões várias vezes podadas. Jogava tudo em seus poemas e por fim acabou não sustentando a pressão que vida fora lhe impondo. A atriz Dalila Carmo se esforça, mas com um texto fraco e direção inexperiente, não pôde fazer muita coisa pela sua personagem, mas empresta-lhe beleza e sensualidade. Já Ivo Canelas, que interpreta seu irmão, tem altos e baixos em sua atuação.

Vicente deveria ter aberto mão de escrever o roteiro ao menos, pois os diálogos construídos muitas vezes parecem estéreis e um tanto sem rumo. Sem dúvida uma produção sobre Espanca merecia ter melhores diálogos. Outro ponto fraco foi extremo abuso da trilha sonora, utilizado praticamente em todas as cenas, um exagero, pois deveriam ter sido respeitados os momentos de silêncio, que não obstante, são mais importantes do que a música.

Florbela deveria ser um daqueles filmes arrebatadores. Não é todo mundo que tem um pai que não a reconhece em vida, um amor exacerbado pelo irmão, três casamentos, dois abortos e três tentativas de suicídio (a última bem-sucedida) em sua biografia, além de ser uma excelente poetisa. E assim, fica sendo praticamente o único mérito da produção provocar uma enorme vontade de revisitar ou conhecer a obra de Espanca.

BEM NA FITA: A proposta de levar pro cinema a história de Florbela Espanca.

QUEIMOU O FILME: roteiro com diálogos fracos, sem profundidade; direção quase acadêmica; abuso de uma trilha sonora melodramática.

Confira o trailer:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Florbela
Direção: Vicente de Alves Ó
Roteiro: Vicente de Alves Ó
Eleco: Dalila Carmo, Ivo Canelas, José Neves, Albano Jerónimo, Anabela Teixeira, António Fonseca, Carmen Santos, Maria Ana Filipe, Rita Loureiro.
Produção: Pandora de Cunha Telles, Pablo Iraola
Fotografia: Luís Branquinho
Edição: João Braz
Diretora de Arte: Silvia Grabowski
Montagem: João Braz
Montagem De Som: Elsa Ferreira
Música Original: Guga Bernardo
Produtora: Ukbar Filmes
Gênero: Drama/Biografia
País: Portugal
Ano: 2012
COR
Tempo: 119 min
Classificação: 12 anos

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN