Crítica de Filme: Getúlio

Bruno Giacobbo

Getúlio Vargas foi um personagem no mínimo singular. Isto para não dizer controverso. Ditador por 15 anos, ele mandou prender, torturou, consolidou as Leis Trabalhistas, fechou o congresso, rasgou duas constituições e, deposto, voltou para São Borja, no interior do Rio Grande do Sul. Estava quieto, até que recebeu a visita de um repórter. Este escreveu uma matéria e nela o velho caudilho anunciou sua volta. Voltou e foi carregado nos braços do povo. Um facínora, aos olhos dos inimigos, ele foi eleito presidente pela população que, apesar dos pesares, tanto o amava. Mais uma vez no poder, governou, criou a Petrobrás, colecionou mais inimigos, fez alguns amigos e quando a pressão se tornou insuportável preferiu o suicídio à renúncia.

Em breves linhas, fiz um resumo da passagem de Vargas pelo poder. Em forma de filme, sua história, contada nos mínimos detalhes, certamente, daria um gigantesco thriller político. Contudo, a opção por este tipo de longa-metragem seria muito cara e pouco atrativa para o grande público. Logo, para levá-la aos cinemas, a solução seria fazer um recorte temporal que não comprometesse o entendimento deste personagem fascinante. Foi isto que fez o diretor João Jardim, em Getúlio, que chega aos cinemas de todo o Brasil, no próximo 1º de maio, Dia Mundial do Trabalho.

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Estrelado por Tony Ramos, perfeito e brilhante na pele do protagonista, a história começa no dia 5 de agosto de 1954, data do atentado sofrido pelo jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), e vai até 24 do mesmo mês, quando acontece o suicídio. Neste intervalo, o filme esquadrinha, aos poucos, os principais personagens que integravam o círculo presidencial e mostra o aumento da tensão, à medida que os políticos e a imprensa oposicionista intensificavam os ataques responsabilizando o Governo Vargas pelo crime.

Os cenários são os corredores do Palácio do Catete. Há pouquíssimas tomadas fora deste perímetro. Para uma cena ao ar livre, que exigiria um número elevado de figurantes, foi usado um recurso interessante: fotos que mostram o ocorrido. Além de baratear os custos do filme, a escolha destas locações ajudou o diretor a alcançar seus objetivos. Em sua maior parte, as cenas são escuras. Quase não existem janelas e cortinas abertas. A ideia era mostrar o clima opressivo que tomou conta da sede do governo e o enclausuramento em que Vargas se enfiou, voluntariamente, até o fatídico desfecho.

A maneira como os personagens foram filmados também ajudou. Quase sempre, a câmera os mostra bem de perto. Dá para ver com nitidez a expressão contrita e preocupada de todos eles. A excelente caracterização da maioria é outra coisa que fica bem clara com este estilo de filmagem. Não são apenas Ramos e Borges que estão iguais a Vargas e Lacerda. Drica Moraes, Clarisse Abujamra, Michel Bercovitch e Jackson Antunes estão perfeitos como a filha Alzira, a primeira-dama Darcy, Tancredo Neves e o vice-presidente Café Filho.

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O grande pecado de Getúlio não é cinematográfico, mas histórico. O repórter citado lá no parágrafo inicial, aquele que entrevistou o velho caudilho, no Carnaval de 1949, era Samuel Wainer. A partir daquela reportagem, ele se tornou íntimo do poder. Com dinheiro emprestado pelo Banco do Brasil, entre outras empresas, criou o único periódico a apoiar Vargas ate o fim, o “Última Hora”. Infelizmente, para minha surpresa, o jornalista não foi mencionado no longa-metragem. Uma falha grave, já que Wainer fazia parte do círculo presidencial.

Apesar de não ser um documentário, o thriller de João Jardim pode, e deve, ser inserido em uma linhagem de obras que descortinam o passado recente do nosso país. Herdeiro dos excelentes Os Anos JK (1980) e Jango (1984), do documentarista Silvio Tendler, é um filme obrigatório para todos aqueles que desejam conhecer um pouco mais da história brasileira.

Desliguem os celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: A caracterização dos personagens. A escolha das locações e a forma como o filme foi rodado. Quase tudo.

QUEIMOU O FILME: A ausência de um personagem como Samuel Wainer.

FICHA TÉCNICA:
Direção: João Jardim.
Elenco: Tony Ramos, Drica Moraes, Alexandre Borges, Adriano Garib, Marcelo Médici, Alexandre Nero, Jackson Antunes, Leonardo Medeiros, Michel Bercovitch, Fernando Eiras, Daniel Dantas, Clarice Abujamra, Thiago Justino, Fernando Luis, José Raposo, Cláudio Tovar, Murilo Elbas, Murilo Grossi, AC Costa, Juan Martyn, Álvaro Diniz, Paulo Giardini e Paulo Japyassu.
Produção: Carla Camurati, Carlos Diegues e Pedro Borges.
Roteiro: George Moura, Teresa Frota e João Jardim.
Fotografia: Walter Carvalho.
Direção de Arte: Tiago Marques.
Figurino: Marcelo Pies e Valéria Stefani. Maquiagem: Martín Macias Trujillo.
Montagem: Joana Ventura e Pedro Bronz.
Trilha Sonora: Federico Jusid.
Duração: 100 minutos.
Ano: 2014.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN