Crítica de Filme | Ida
Giselle Costa Rosa
Vencedor dos European Film Awards 2014, o prêmio da Academia Europeia de Cinema, Ida está sendo considerado o melhor filme europeu do ano. Este drama polonês, rodado em preto e branco, faturou as estatuetas de melhor filme europeu, melhor diretor (Pawel Pawlikowski), melhor roteiro (assinado por Pawlikowski e Rebecca Lenkiewicz), melhor fotografia e o prêmio do júri popular.
Inegavelmente merecido, o premiado Pawlikowski construiu uma jornada delicada e profundamente humana da personagem principal Anna. Não há explosões ou cenas intempestivas nesta produção que também aborda as consequências do Holocausto e do Comunismo na Polônia. A opção foi por desvelar gradualmente os sentimentos, muitas vezes expostos por meio de um silêncio entrecortante, suprimindo-se palavras pouco necessárias, valorizando a fotografia, a expressão corporal e a trilha sonora em cena.
O longa versa sobre a noviça Anna (Agata Trzebuchowska) que está prestes a fazer seus votos perante a Deus, na década de 60. Antes disso, porém, a madre superiora a instrui a fazer uma última visita à sua família, no caso a sua tia Wanda (Agata Kulesza), antes de se tornar definitivamente uma freira. Wanda, uma sensual ex-procuradora, torna-se o contraponto, contrastando com o perfil de sua sobrinha. Sua fé confronta, durante todo o filme, com o pragmatismo de sua tia que irá revelar segredos sobre o seu passado.
Pawlikowski disse que este é um filme sobre “identidade, família, fé, culpa, socialismo e música”. Esses são alguns dos elementos que surgem ao longo da história. Dentre as revelações realizadas por sua tia, Anna descobre que o seu verdadeiro nome é Ida Lebenstein e que sua família era judia. A partir daí, tia e sobrinha resolvem seguir em uma jornada a fim de descobrir o real desfecho dos seus entes.
Ida não poderia esperar que seu cotidiano fosse mudar tanto. Do lado de fora, sua fé e seus valores serão colocados à prova através de fatos e acontecimentos que cruzarão o seu caminho. Ela descobre não só o passado de sua família – a qual nem sabia existir –, embarca em uma viagem de autodescoberta marcada por algumas peripécias, tais como Wanda ser detida por excesso de álcool ao dirigir. No trajeto elas darão carona a Lis (Dawid Ogrodnik), um jovem saxofonista, que despertará a atenção de Ida, fazendo com ela que lide pela primeira vez com o desejo sexual.
A diferença gritante entre tia e sobrinha é brilhantemente interpretada pelas duas atrizes Kulesza e Trzebuchowska. Wanda se apresenta como uma mulher aparentemente fria e pragmática, de gostos mundanos, mas que carrega um vazio enorme dentro si que tenta preencher através do cigarro e do álcool. Já Ida é uma jovem aparentemente frágil e introvertida, tendo vivido praticamente toda sua vida em um convento. O encontro entre as duas permitiu que Wanda se confrontasse com seu passado e que Ida tivesse acesso às coisas e situações que nunca suponha viver.
O trabalho de Trzebuchowska vale um parágrafo. A atriz foi “descoberta” por um amigo do diretor em um café de Varsóvia, sendo este o primeiro filme de sua carreira. Atuando de forma minimalista e com recortes silenciosos, a delicadeza é o fio condutor de sua personagem mesmo diante de um dilema inesperado. A forma como ela expõe os sentimentos de sua personagem, sem alardes, é de uma entrega e competência surpreendentes.
O principal candidato ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira foi realizado de forma seca cujos planos se apresentam majoritariamente fixos. Mas ao contrário do que possa parecer ao ser rodado em preto e branco, a produção nos envolve em plenitude com sua fotografia quente. Mérito de Ryszard Lenczewski, que trabalhou em outras ocasiões com Pawlikowski, como no belo e sensível longa “Meu Amor de Verão” (2004), um filme sobre a paixão entre duas jovens.
Trechos da música lírica de Bach e Mozart estão na trilha do longa. Além do contentamento em ter Coltrane. Artistas poloneses também participam, compondo assim uma trilha sonora poética a jornada espiritual de Ida. Definitivamente um filme a ser assistido e apreciado como uma obra dessa envergadura merece.
BEM NA FITA: atuação competente das atrizes principais, fotografia e direção, trilha sonora.
QUEIMOU O FILME: nada que mereça menção.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA
Título Original: Ida
Diretor: Pawel Pawlikowski
Roteiro: Rebecca Lenkiewicz e Pawel Pawlikowski
Elenco: Agata Kulesza, Agata Trzebuchowska, Halina Skoczynska,Dawid Ogrodnik
Fotografia: Lukasz Zal e Ryszard Lenczewski
Gênero: Drama
Duração: 1h22min
Distribuidor: Zeta Filmes
País: Polônia
Ano: 2013