Crítica de Filme | Livre

Bruno Giacobbo

A imagem que fazemos de nós mesmos, normalmente, influencia bastante na imagem que o mundo faz de nós. Se agirmos como pobres coitados, é comum que os outros sintam pena. Se agirmos com arrogância, confiantes ao extremo, será muito mais fácil despertarmos uma série de sentimentos ruins. Agora, quando uma vida adquire contornos dramáticos a ponto de ser suficientemente interessante para ser transformada em filme, mais pessoas, para o bem ou para o mal, serão influenciadas. Autora e protagonista da autobiografia homônima que deu origem ao longa-metragem Livre (Wild, no original), Cheryl Strayed, parece ter plena consciência desta dicotomia.

A trajetória da menina mimada, brilhantemente interpretada por Reese Whiterspoon, que após a morte da mãe (Laura Dern) leva uma vida de esbórnia, drogas e infidelidades conjugais, é narrada de forma imparcial, tentando não induzir os sentimentos do público mesmo diante de um desfecho que, lá pelas tantas, se anuncia como óbvio. Fruto da forma como a protagonista passou a se enxergar depois de uma viagem de autodescoberta pelas trilhas do principal deserto americano, a visão levada às telonas encontrou amparo e respaldo em dois importantes personagens: o cineasta canadense Jean-Marc Vallée e o roteirista e romancista britânico Nick Hornby.

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O primeiro dirigiu, com sucesso, a cinebiografia “Clube de Compras Dallas”, em que a trajetória de seu personagem principal, Ron Woodrof (Matthew McConaughey), encontra semelhanças com a de Strayed. Já o segundo, em seu livro mais famoso, “Febre de Bola”, brinca de forma bem humorada com as agruras de um torcedor (ele mesmo) acostumado a sofrer com seu time de futebol. Dá para dizer, seguramente, que o encontro do ponto de vista destes três profissionais, Strayed, Vallée e Hornby, moldou o jeito como o filme foi feito e se apresenta ao espectador: uma obra que não oscila nem para o dramalhão, nem para a epopéia de uma heroína pronta a ser idolatrada.

De pouco adiantaria esta narrativa correta, que foge dos estereótipos cinematográficos mais comuns às cinebiografias, se o restante do filme não encontrasse amparo em uma parte técnica bastante azeitada. Chamam atenção a fotografia de Yves Bélanger e, especialmente, o trabalho de edição a cargo de John Mac McMurphy e Martin Pensa. A alternância entre cenas que se passam no passado, no presente e os sonhos que a personagem tem ao longo do filme é tão sutil e natural quanto, possivelmente, será para o grande público aceitar que o desfecho desta obra é muito mais próximo da realidade do que as demais películas do gênero.

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Desliguem os celulares e ótima diversão.

BEM NA FITA: A fuga dos estereótipos, a atuação de Reese Whiterspoon e o trabalho de edição.

QUEIMOU O FILME: Nada que importe.

FICHA TÉCNICA:
Diretor: Jean-Marc Vallée.
Roteiro: Nick Hornby baseado no livro de Cheryl Strayed.
Produção: Bruna Papandrea, Bill Pohlad e Reese Witherspoon.
Elenco: Reese Witherspoon, Laura Dern, Thomas Sadoski, Michiel Huisman, W. Earl Brown, Gaby Hoffmann, Kevin Rankin, Charles Baker, Brian Van Holt, Jan Hoag, Nick Eversman, JD Evermore, Mo McRae, Keene McRae, Strayed Lindstrom, Cathryn de Prume e Cliff De Young.
Montagem: John Mac McMurphy e Martin Pensa.
Fotografia: Yves Bélanger.
Duração: 115 min.
Ano: 2014.
País: Estados Unidos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN