Crítica de Filme | Mapas para as Estrelas
Pedro Esteves
Cronenberg constrói, em Mapas para as Estrelas, que estreia nesta quinta-feira (19/03), um filme frio, através de um trabalho de arte e de uma fotografia com planos diretos que deixa seus personagens totalmente expostos, ao ponto de perdemos a noção da interioridade e exterioridade deles. Nos deparamos com atores de Hollywood, e pessoas que vivem a volta deles, de forma crua, expostos por uma imagem que não perdoa, que transforma o mundo Hollywoodiano em algo que poderia ser entendido como satírico. Contudo, é justamente por nunca ser uma sátira que o longa se faz palpável, pois ao invés de denunciar com o humor, nos deixa perdidos dentro de um universo “real” onde somos apenas espectadores daquilo que não vemos – talvez eu devesse ter começado de forma diferente para ser mais claro.
Comecemos de novo então, pelo começo de Mapas para as Estrelas. Iniciamos nossa trama com uma composição audiovisual que já nos remete a um dos pontos principais da produção (principal, interessantemente, que só existe como “o elefante branco dentro da sala que ninguém quer falar sobre”, ou se que percebe) o universo de aparências que nada tem haver com a Hollywood dos filmes. Como espectadores começamos nossa jornada com Julianne Moore e John Cusack em uma suposta cena de sexo, que, na verdade, é uma terapia com massagem (que a personagem dela recebe do personagem dele). Ao mesmo tempo, Cronenberg, magistralmente, nos dá outra pista sobre o que ele está falando e define um dos maiores problemas da personagem de Moore: em uma TV passa um filme em que a falecida mãe desta atuou há muito tempo, onde o mundo era belo, os amores perfeitos e os finais, provavelmente, felizes, mas, principalmente, onde sua famosa mãe era jovem. Ou seja, podemos imaginar que o que veremos é justamente o que não vemos no cinema hollywoodiano: o que é Hollywood. Agora, posso repetir o que afobadamente coloquei no paragrafo introdutório: o filme “nos deixa perdidos dentro de um universo ‘real’ onde somos apenas espectadores daquilo que não vemos”.
Podemos pensar em outras obras que nos apresentam – ou denunciam – aspectos deste universo, como The Bling Ring (2013), de Sofia Coppola, o fantástico Mulholland Drive (2001) e a obra prima Inland Empire de David Lynch (2006), dentre outros. No caso do filme de Coppola o valor da aparência e da vaidade são as peças fundamental de ação das personagens. Em Mapas para as Estrelas ela é o estado, ela é as personagens deste mundo doentio, pelo menos da maioria. Olhando para os filmes de Lynch temos um universo em que o sonho e a realidade se misturam, principalmente no primeiro citado, mas que deixa de existir como mundos cindidos em Inland Empire. Se no primeiro podemos colocar dois momentos distintos, no segundo eles sumiram, temos agora uma impossível distinção do que é realidade e pesadelo e, assim, somos submergidos, juntos a suposta personagem principal, em um universo bizarro. O filme de Cronenberg, se não tem o surrealismo de Lynch, se torna não menos surreal justamente por nos colocar de forma natural um mundo moral e estético que ultrapassa nossas fronteiras de aceitação. O mundo que podemos entender de Hollywood, através de Cronenberg, é o mesmo mundo da segunda parte de Mulholland Drive, mas que agora não percebemos pela superfície do olhar de uma atriz coadjuvante, mas sim pela posição de espectador impotente e imerso em uma realidade que não podemos distinguir de um pesadelo moral, porque na realidade não é um pesadelo, por mais bizarro que seja.
Podemos entender que Mapas para as Estrelas realiza esse mundo justamente por tratar da forma mais fria possível o que nos mostra, sem julgar, sem dar nada mais do que os personagens fazem, sentem e expões sem pudor algum, sem o brilho da maquiagem e do universo mágico montado em uma mesa de edição dos filmes de Hollywood, aqui a grande estrela caga e peida, enquanto reclama de seu intestino.
Agora me dou conta. Sequer dei uma sinopse do filme. Pois então segue – A família Weiss está fazendo seu caminho em Hollywood: repleta de dinheiro, fama, inveja e assombrações implacáveis. Stafford Weiss (John Cusack) é um famoso terapeuta de auto-ajuda da TV, que tem uma lista de clientes composta por celebridades do mais alto reconhecimento. Enquanto isso, Cristina Weiss (Olivia Williams), sua esposa, teve que parar de trabalhar para gerenciar a carreira de seu insatisfeito filho e estrela infantil, Benjie (Evan Pássaro), que saiu recentemente da reabilitação aos 13 anos. Outro personagem misterioso surge na trama, a cicatrizada e atormentada Agatha (Mia Wasikowska), que acaba de sair de uma ala psiquiátrica e pronto para começar de novo. Ela logo consegue fazer amizade com um motorista de limusine (Robert Pattinson) e torna-se assistente pessoal da atriz, ainda por ser descoberta, Havana Segrand (Julianne Moore), que é atormentado pelo fantasma de sua lendária mãe, Clarice (Sarah Gadon).
É fenomenal o trabalho de direção dos atores e dos próprios. Julianne Moore está impecável no papel de uma velha atriz que não consegue aceitar sua idade e a eterna juventude de sua mãe, que a persegue incestuosamente como fantasma. John Cusack parece ter voltado a atuar, tendo uma de suas melhores performances em muito tempo. Evan Pássaro está excelente com uma atuação cheia de nuancias, jovem ator com futuro. Robert Pattinson, que vem mostrando seu enorme talento nos últimos anos continua seu caminho em ascensão (talvez aqui ele tenha estagnado, não apresenta nada de novo, mas está sólido). Mia Wasikowska personifica integralmente a personagem que está fora desse maluco e imoral universo, mas que dele não pode se desligar.
Temos então uma obra-prima? Acredito que não. De certa forma, Mapas para as Estrelas parece perder forças por se esticar mais do que devia, pois se repete e rediz informações. Por exemplo: cenas que acontecem com a personagem de Mia Wasikowska podiam ser retiradas, ela explica sua motivação duas vezes na película. Alguns takes de Evan Pássaro são reapresentação do que já foi dito. No entanto, nada disso retira o brilho do filme, que termina não empolgando, mas, como em Cosmópolis (2012), nos colocando em profundo silêncio ou questionamento.
BEM NA FITA: Atuações, fotografia, direção, arte. Quase tudo.
QUEIMOU O FILME: Cenas que dizem o que já foi dito.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
Título original: Maps to the Stars
Direção e Adaptação: David Cronenberg
Roteiro: Bruce Wagner
Elenco: Julianne Moore, Mia Wasikowska, John Cusack, Evan Bird, Olivia Williams, Robert Pattinson, Sarah Gadon
Produtores: Martin Katz e SAÏD BEN SAÏD
Diretor de Fotografia: Peter Suschitzky
Trilha Sonora: Howard Shore
Duração: 111 minutos
Figurino: Denise Cronenberg
Editor: Ronald Sanders
Distribuição: Entertainment One, Future Film, Cinéart