
Crítica de Filme | Mil Vezes Boa Noite
Giselle Costa Rosa
O filme Mil Vezes Boa Noite começa com uma sequência tão impactante que interagir verbalmente com ele, na cena em que Rebecca, uma das melhores fotógrafas de zonas de guerra do mundo, quase morre em Cabul, não será surpresa.
O diretor Erik Poppe fala em sua produção de uma profissão que conhece de perto. Formado em fotografia de cinema, trabalhou como fotógrafo para a agência Reuters, por isso talvez a escolha pelo tema. Poppe desenvolveu um trabalho arrebatador sem apelar para o sentimentalismo barato. Conseguiu trazer para tela de cinema não só um tema polêmico, mulheres bomba e comunidades sendo dizimadas por mãos milicianas, como também a inversão de papéis no seio familiar. Nesse aspecto, a escolha de Juliette Binoche foi essencial. É impressionante o que ela consegue nos passar com seu olhar e postura corporal. Bela mulher e esplêndida no papel validam essa ótima parceria, que acaba ofuscando um tantinho o ator Nikolaj Coster-Waldau, que não compromete a produção e faz bem o papel de marido inseguro.
Depois de quase morrer, Rebecca está de volta ao lar. Marcus, que foi busca-la no hospital, verbaliza toda a sua insatisfação diante dos riscos assumidos por ela na profissão que escolheu, colocando o resto da família em meio ao medo e a incerteza de seu retorno a cada trabalho assumido. Seu argumento mais forte é o fato deles terem duas filhas e que elas precisam de uma mãe viva e por perto. Ela então decide por não voltar a trabalhar em uma zona de guerra.
Longe de ser uma tarefa fácil, Rebecca ama o que faz e sim ama a adrenalina gerada pelas tensões embutidas nela. Rola um automatismo do clique, mas embasado em um olhar repleto de sentimentos de que a cada foto tirada é mais um golpe na indiferença real presente em nossa sociedade perante atrocidades cometidas aos arredores do mundo.
Mil Vezes Boa Noite é uma ode à mulher. A força e coragem que cada uma delas traz dentro de si. Na contemporaneidade da divisão de tarefas domésticas e responsabilidades padrão entre homens e mulheres, Poppe me coloca um sorriso no rosto ao tirar a mulher do papel de esposa e mãe totalmente voltada para a família em detrimento da escolha de sua profissão. Iguala Rebecca a Marcus. Ambos são sensíveis, carregam medos, desejos, realizações e conflitos efervescentes. Vale lembrar quantos homens trabalham em profissão de risco todos os dias como policial, soldado, bombeiro. Todos vistos como heróis e, se morrem no exercício de suas funções, são condecorados com toda pompa, mesmo deixando seus filhos para trás nas mãos das esposas, agora viúvas.
Rebecca tem a convicção de que seu trabalho pode fazer a diferença. Assistir Marcus entendendo o quanto é importante o trabalho que sua esposa desenvolve, e mais, a inestimável felicidade dela ao voltar para um campo de refugiados no Quênia, mostra-nos que não existe ponta mais fraca da corda. E sim um posicionamento covarde perante o outro. Quando ela se reposiciona, uma nova perspectiva se abre e, mesmo não agradando no todo, mostra ser o mais plausível para o bem estar de ambos.
BEM NA FITA: a parceria entre Poppe e Binoche e suas devidas competências e a sequencia final do filme que resume tudo que a personagem principal sente.
QUEIMOU O FILME: uma ou duas cenas desnecessárias.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA
Título Original: TUSEN GANGER GOD NATT
Direção: ERIK POPPE
Roteiro: HARALD ROSENLØW EEG, ERIK POPPE
Produção: FINN GJERDRUM, STEIN B. KVAE
Fotografia: JOHN CHRISTIAN ROSENLUND
Montagem: SOFIA LINDGREN
Elenco: JULIETTE BINOCHE, NIKOLAJ COSTER-WALDAU, LAURYN CANNY,
ADRIANNA CRAMER CURTIS
Gênero: DRAMA
Duração: 117 MINUTOS
País: Noruega / Irlanda / Suécia
Ano: 2013