Crítica de Filme | Miss Violence
Blah Cultural
O filme Miss Violence, dirigido pelo grego Alexandros Avranas, premiado em Veneza, é tido por quem assiste como extremamente desconfortante e perturbador. De teor forte, ele pode trazer uma sensação de repugnância. O tema central desta produção realizada em 2012, que entrou em cartaz em setembro deste ano, é o suicídio de uma menina de 11 anos no dia de seu aniversário. A película parece ter impactado mais um dos críticos e, embora as notas atribuídas a ela sejam iguais, a visão sobre as motivações e nuances ganharam contornos diferentes em cada parecer.
Confira as opiniões de Larissa Bello (que se impactou menos) e Bruno Giacobbo (que se sentiu claustrofóbico) e chegue à sua própria conclusão.
“AVRANAS REALIZOU UM FILME CLAUSTROFÓBICO”, por Bruno Giacobbo
Uma família convencional. Um avô, uma avó, duas filhas e três netos. Todos morando no mesmo apartamento, levando uma vida simples e honesta. Uma cena bastante comum. O décimo primeiro aniversário de uma das crianças. A neta mais velha. Só eles. Um bolo, refrigerante e salgadinhos. E uma quebra radical desta rotina ordinária: Com um leve sorriso estampado no rosto, a aniversariante se joga da varanda. Um salto para a morte que deixa todos horrorizados.
A cena descrita acima, pelo menos até a quebra da normalidade, poderia se passar em um subúrbio qualquer, nos Estados Unidos ou no Brasil. Mas não. Foi a maneira chocante e absolutamente incomum que o cineasta grego Alexandro Avranas encontrou para começar Miss Violence, em cartaz em pouquíssimas salas do Rio de Janeiro e, desde já, uma das coisas mais fantásticas que vi nos últimos tempos no cinema ou na tranquilidade do meu lar.
Tranquilidade é o que o público não consegue sentir em momento algum dos quase 100 minutos de exibição do filme. Sentadas um pouco atrás de mim, na última fileira do velho, mas aconchegante Cine Jóia, em Copacabana, duas senhoras bufavam e vociferavam a cada desdobramento da história em que a tragédia serve como ponto de partida para uma minuciosa investigação desta família que, aos poucos, se revela nada convencional.
Inicialmente, a identificação dos personagens é um pouco complicada. O expectador demora a entender o grau de parentesco entre eles. O avô, interpretado pelo excelente Themis Panou, não tem nome. O que poderia ser uma falha, na verdade, se revela uma artimanha do ótimo roteiro escrito pelo cineasta em parceria com Kostas Peroulis. A intenção é confundir e mostrar que quando determinadas atrocidades são cometidas pouco importa quem é quem.
Avranas realizou um filme claustrofóbico. Quase não existem cenas externas e nas raríssimas exceções praticamente não se nota a presença do sol. Esta sensação é reforçada pela fotografia e o figurino desprovidos de cores vivas. Há uma predominância de tons sóbrios, exceto pelas roupas das crianças e pelos adereços da festa infantil, símbolos de uma pureza ainda imaculada.
Ganhador dos prêmios de melhor diretor e ator, Avranas e Panou, respectivamente, no Festival de Veneza 2013, Miss Violence provocou neste crítico uma repulsa semelhante à causada por “Incêndios” e “Oldboy”. No entanto, seus desdobramentos estão muito mais próximos da nossa realidade. O pano de fundo para a história é o seio de uma família grega. Contudo, se a escolha tivesse recaído sobre o cotidiano de uma escola ou de uma comunidade religiosa, o efeito buscado por seu realizador, provavelmente, seria o mesmo: inquietante e chocante. Disfarçado de muitas formas, o mal está à espreita.
Desliguem os celulares e boa diversão.
BEM NA FITA: Ainda faltam dois meses para o fim do ano, mas arrisco a dizer que talvez seja um dos dez melhores filmes a estrearem no Brasil em 2014.
QUEIMOU O FILME: Definitivamente nada.
“METAFÓRICA OU NÃO, A VERDADEIRA VIOLÊNCIA CONTIDA EM MISS VIOLENCE ESTÁ NÃO SOMENTE NAS AÇÕES, MAS PRINCIPALMENTE, NO COMPORTAMENTO ACOMODADAMENTE PASSIVO DOS PERSONAGENS”, por Larissa Bello
A produção grega Miss Violence, dirigida por Alexandros Avranas, vencedor do Leão de Prata de Melhor Direção no Festival de Veneza de 2013, apresenta uma requintada construção narrativa que revela lentamente a crueldade existente dentro de uma família.
Com uma fotografia em tons frios e opacos, o filme é elaborado de uma maneira quase indiferente ao grau de violência que vai sendo exposto. É justamente essa cadência de estranheza que contribui para o impacto daquilo que se revela lentamente à nossa compreensão. Os enquadramentos bem elaborados e os planos-sequência auxiliam ainda mais a tensão crescente no filme.
A produção começa com uma cena de festa de aniversário em família. A filha aniversariante, que celebra seus 11 anos de idade, vai até a sacada do apartamento e se joga. A partir daí, o que se segue está ligado ao motivo pelo qual fez com que ela tomasse tal atitude. Aparentemente tudo parece normal na rotina de uma família que é liderada pela figura patriarcal, brilhantemente interpretada pelo ator Themis Panou. Vagarosa e provocativamente, aos poucos, vamos compreendendo o que realmente acontece dentro e fora da casa.
Funcionários do Serviço Social começam a investigar o suicídio da jovem e pequenos detalhes começam a fornecer algumas pistas sobre a relação entre os membros da família: a esposa é muito mais velha que o marido, tanto que inicialmente pensamos que ela é a mãe dele; a filha mais velha está grávida, mas não vemos nenhuma figura masculina presente em sua vida até então; as crianças mais novas são filhos da filha mais velha.
Apesar de o diretor negar que tenha sugerido uma analogia com a questão da crise econômica na Grécia, é impossível rejeitar totalmente esse contexto quando ele mostra a forma como o pai sustenta financeiramente a família.
Metafórica ou não, a verdadeira violência contida em Miss Violence está não somente nas ações, mas principalmente, no comportamento acomodadamente passivo dos personagens. Afinal, pior do que a violência em si, é quando nos acostumamos com ela.
BEM NA FITA: a cadência com que o filme se desenvolve e os enquadramentos bem elaborados.
QUEIMOU O FILME: uma recusa em assumir a influência do contexto econômico que circunda a trama.
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Alexandro Avranas
Roteiro: Alexandro Avranas e Kostas Peroulis
Elenco: Themis Panou, Reni Pittaki, Eleni Roussinou, Sissy Toumasi, Rafika Chawishe, Kalliopi Zontanou, Constantinos Athanasiades e Chloe Bolota
Fotografia: Olympia Mytilinaiou
Montagem: Nikos Helidonidis
País: Grécia
Duração: 98 minutos
Ano: 2013