Crítica de Filme | Nebraska

Bruno Giacobbo

Existe uma categoria especial de filmes. Ela é composta por obras tão delicadas, que dão a impressão de terem sido feitas de forma quase artesanal. Com o esmero de um ouvires ao lapidar a jóia mais rara que já passou por suas mãos. Estas películas transmitem, ainda, a falsa sensação de serem mais simples do que na verdade são. Com estreia marcada para esta sexta-feira, dia 14 de fevereiro, a comédia-dramática Nebraska, de Alexander Payne, se encaixa nesta classe, justamente, devido a sua aparente simplicidade.

Filmado com apenas US$ 12 milhões, e em preto e branco, o novo longa-metragem do cineasta de “Sideways” (2004) e “Os Descendentes” (2012) conta a história do octogenário alcoólatra Woody Grant (Bruce Dern) que, após receber uma correspondência, acredita ser o feliz proprietário de uma fortuna. Disposto a embolsar a bolada de qualquer maneira, ele fará tudo o que estiver ao seu alcance, até mesmo viajar a pé de Montana a Nebraska.

Tal situação leva sua família a concluir que Woody precisa, o quanto antes, ser internado em uma casa de repouso. Cansados, a esposa Kate (June Squibb) e o filho Ross (Bob Odenkirk) são partidários da ideia. O único que reluta é o caçula David (Will Forte). Vendo que o pai não desistirá por nada neste mundo do seu objetivo, ele decide apoiá-lo e embarcar naquela que, sem saber, será a viagem mais importante da vida dos dois.

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A aparente simplicidade do filme começa pela própria trama, que não se resume somente ao desejo de Woody em ir atrás do dinheiro que estaria a sua espera. Como uma cebola a ser descascada, o roteiro de Nebraska, escrito por Bob Nelson, é feito de camadas. Duas subtramas se revelam à medida que descascamos a história apresentada na telona: a maneira como tratamos os idosos na nossa sociedade; e o relacionamento entre pais e filhos.

O personagem de Bruce Dern, na melhor atuação de toda a sua carreira, é um homem jogado às traças, com evidentes problemas de relacionamento com a família. Ainda que isto não seja mostrado com imagens, esta situação fica explícita por meio de um diálogo entre Ross e David. Além disto, há também o problema com o alcoolismo. Se apegar ao sonho de ser milionário no ocaso da vida, é uma forma de tentar ter um pouquinho mais de dignidade no tempo que lhe resta. Tudo o que ele quer é comprar um compressor de ar.

A família tem boas razões para estar chateada com Woody. No entanto, durante muito tempo, com seus erros e acertos, como qualquer pessoa, ele trabalhou para sustentar esposa e filhos. Se não fosse por isto, Ross, por exemplo, não teria tido condições de estudar e se tornar o âncora de uma televisão local. Contudo, parece que eles tem dificuldade de entender isto. A esposa, interpretada por uma June Squibb inspiradíssima e merecidamente indicada ao Oscar de atriz coadjuvante, apesar de viver com aquele homem há mais de 40 anos, só sabe reclamar. David é o primeiro a compreender que o pai precisa apenas de apoio. Por este motivo, decide levá-lo a Nebraska, mesmo sabendo que não existe nenhuma fortuna esperando por eles.

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A falsa simplicidade de Nebraska passa também pela belíssima fotografia assinada por Phedon Papamichael. Bem, é verdade que ela não seria a mesma se o filme fosse colorido. A opção pelo preto e branco, uma vitória pessoal do cineasta, pois o estúdio era contra, contribui decisivamente para o clima da obra que conjuga, em perfeito equilíbrio, risos tensos e momentos de pura depressão.

Mesmo com uma filmografia pequena, Payne já pode ser considerado um dos mais brilhantes realizadores da nova geração. Ele dirige e roteiriza com a mesma desenvoltura. A prova disto são suas três indicações ao Oscar de melhor diretor e os dois prêmios da academia como roteirista. “Sideways” e “Os Descendentes” são objetos de admiração de muitos cinéfilos, contudo, em Nebraska, encontramos, até aqui, a sua verdadeira obra-prima.

Desliguem os celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: Absolutamente tudo.

QUEIMOU O FILME: Definitivamente nada.

FICHA TÉCNICA:
Diretor: Alexander Payne.
Elenco: Bruce Dern, Will Forte, June Squibb, Stacy Keach, Bob Odenkirk, Mary Louise Wilson, Missy Doty, Angela McEwan, Rance Howard, Devin Ratray, Tim Driscoll, Roger Stuckwisch e Melinda Simonsen.
Produção: Albert Berger e Ron Yerxa.
Roteiro: Bob Nelson.
Fotografia: Phedon Papamichael.
Trilha Sonora: Mark Orton.
Duração: 110 min.
Ano: 2013.
País: Estados Unidos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN