Crítica de Filme: Ninfomaníaca – Volume II
Antonio de Medeiros
Ninfomaníaca – Volume II: Sim, Bernardo Moura, no segundo volume vem a porrada e o bicho pega!
Quem assistiu ao Volume I deve ter ficado com bastante curiosidade em saber como seria a continuidade da história, principalmente devido à apresentação de pequenas cenas do que acontece na sequência.
Basicamente todos os mistérios são esclarecidos, por exemplo, descobrimos porque e o que levou Joe, (Charlotte Gainsbourg), a ninfomaníaca, a ser ajudada no início do filme por Seligman (Stellan Skarsgard), esse bom samaritano, que a encontra toda machucada e jogada no chão.
A fase adulta de Joe também é destacada, principalmente pelos conflitos familiares, já que ela engravida. Passamos ainda a conhecer mais do misterioso e bondoso (?) Seligman. A relação entre os dois é apenas de amizade ou há algum outro interesse? Não digo! Só vendo o filme. Eu juro que não serei estraga prazeres, digo, spoiler. Mas no final do filme tudo isso é esclarecido.
Ninfomaníaca – Volume II revela que vivemos numa sociedade hipócrita e que vem se tornando cada vez mais careta. O politicamente correto, então, é muito empobrecedor. Ainda bem que existem criadores como Lars Von Trier, verdadeiros provocadores .
A segunda parte aborda praticamente todas as formas de taras sexuais e entra mesmo em temas espinhosos como a pedofilia. Separa o pedófilo “praticante” do “não-praticante”, ou seja, aquele que por mais que tenha esse desejo asqueroso não o realiza, o nega , sacrifica o seu desejo, a sua perversão. Para o filme o segundo é um resistente e melhor do que o primeiro.
Tenho poucas ressalvas em relação à película. A primeira é que eu esperava mais da cena do ménage com os dois negões, ou devo dizer os dois “afrodescendentes”? No próprio filme, a protagonista usa a palavra nigger, que não é bem aceita socialmente. Ela contesta isso, diz que quando a gente tem dificuldade com algumas palavras ou impedimento de usá-las é um sinal de que é um assunto delicado, não resolvido ainda. Não dizer o nome apenas encobre o preconceito. Pelas fotos divulgados da famosa cena dela entre os dois homens negros parece que a coisa iria pegar fogo, mas virou mesmo uma cena tosca, infantil pela competição dos homens e até engraçada.
O final… Claro que eu não vou contar o final! O que posso dizer é que é coerente, redondo. Apesar de pessoalmente não ser o que eu desejava, já que os personagens principais são tão interessantes que a gente acaba se afeiçoando a eles.
Os diálogos são bem irônicos e inteligentes com referências à arte, religião e música, dentre outras. Dá vontade de anotar pra jogar tudo depois no Google. Uma coisa meio Dan Brown, mas menos manjado.
A primeira parte do filme é mais quente, mexe com a libido,com cenas provocadoras e muito sexo. Na segunda parte, o drama ganha mais destaque, apesar das cenas de bondage e ménage à trois. Mas nesses momentos sente-se mais tristeza pela degradação da personagem do que apelo sensual. Um destaque é a“escolha de Sofia” de Joe entre seu vício ou seu filho/ família, o que revela a decadência da personagem e sua completa solidão. O fato dela ser mulher e largar marido, filho, numa espécie de “Casa de Bonecas” contemporânea torna o filme ainda mais impactante , mostra como a sexualidade da mulher ainda é ,em muitos casos, reprimida e submetida ao desejo do homem.
Ao mesmo tempo em que o longa é provocador é, também, imensamente divertido. As tiradas bem-humoradas aliviam a tensão de algumas cenas.
O ser humano na cama é de uma criatividade incrível. A técnica do “pato silencioso” (jogue no Google) e a tortura pela narração de cenas eróticas revelam o quanto o desejo sexual vai além da penetração, óbvio num filme pornô, mas que neste filme é explorado por meios como cheiro, palavras, sensações táteis e submissão ou domínio do outro.
A força dessa produção está também na construção crível e profunda dos personagens. Uma exceção é o personagem de Willem Dafoe que podia ocupar mais espaço na história.
Recomendo ver o filme. Esqueça o amor, esqueça o pudor e se permita ser provocado. A questão da sexualidade ainda é tabu, mas comum a todos. E como já dizia Nelson Rodrigues “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava.” Ninguém precisa chegar a ser um compulsivo sexual, mas ninguém está livre dos desejos e do seu lado animal.
Recomendo ainda a leitura da crítica do Bernardo, que escreveu sobre a parte 1 do filme.
BEM NA FITA: Maioria dos personagens bem construídos e a narrativa envolvente e provocadora.
QUEIMOU O FILME: Willem Dafoe com um personagem que podia ser mais bem desenvolvido. A participação dele podia ser melhor aproveitada.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Lars von Trier
Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgard, Stacy Martin, Shia LaBoeuf, Christian Slater, Uma Thurman, Jamie Bell, Willem Dafoe, Sophie Kennedy Clark
Roteiro: Lars von Trier
Produção: Zentropa Entertainments
Distribuidor brasileiro: Califórnia Filmes
Gênero: Erótico/ Drama
Países: Dinamarca, Alemanha, França, Bélgica
Duração: 110 minutos
Ano: 2013