Crítica de Filme | O Amor é Estranho

Giselle Costa Rosa

A premissa do filme O Amor é Estranho é simples. Ben e George, vividos respectivamente pelos atores John Lithgow e Alfred Molina, são dois homens de meia idade em um relacionamento homoafetivo de quase 40 anos. Quando decidem se casar, a cerimônia é aprovada pelos amigos e familiares, mas acaba fazendo com que George perca o emprego.

No longa, George é um professor de música que leciona há 12 anos em uma escola administrada pela Igreja Católica. O padre responsável, antes de finalizar o processo de demissão, lembra-lhe que uma das cláusulas da declaração que George assinou para dar aula na instituição falava em “Não tomar uma posição pública contrária à Igreja Católica”. Isso significa que antes, apesar de todos saberem da opção sexual dele, sem que o relacionamento fosse oficial perante à sociedade, a tal cláusula não tinha sido ferida.

Ira Sachs, que dirigiu “Deixe a Luz Acesa” (outro filme com temática homoafetiva), e que assina o roteiro junto com o brasileiro Mauricio Zacharias, tem em suas mãos inicialmente dois temas para trabalhar: o relacionamento gay na meia idade e o preconceito ainda tão arraigado em nossas instituições, principalmente, nas religiosas. No entanto, não há um posicionamento dele perante aos problemas definidos por ele próprio.

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Orbitando ao tema proposto, Sachs ainda adiciona outros imbróglios, valendo-se da velha máxima: nada é tão ruim que não possa piorar. Com a demissão de George, agora sem emprego fixo e com Ben ganhando uma pensão insuficiente, o casal é obrigado a vender o apartamento onde vivem. O dinheiro recebido pela venda não forma um montante que viabilize a compra de outro, além de não possuírem também os requisitos necessário para alugar um local. Dessa maneira, eles acabam indo morar, separadamente, na casa de parentes. Enquanto Ben vai pra casa de seu sobrinho, casado e com filho, dividindo com o adolescente um quarto e dormindo em um beliche, George vai pra casa de um jovem casal gay, passando as noites no sofá da sala e tendo de encarar a agitação de festinhas, convidados e maratonas de seriados rolando em “seu quarto”.

Agora, além de não ter onde morar, eles estão separados e obrigados a dividir o seu dia a dia com pessoas queridas e amáveis enquanto existe uma distância saudável. John Lithgow e Alfred Molina são o filme. Eles conseguem transmitir claramente como é o desconforto de morar em uma casa que não a sua, sem privacidade, ou um canto para relaxar e ficar à vontade de fato. Ir e vir sem sentir que está incomodando alguém com sua presença e sem que isso seja oriundo de um favor. Ambos estão experimentando um forte sentimento de impotência; no lugar aproveitar uma vida a dois, experimentam a frustração não só de viver em separado, como também o de não pertencimento e inadequação ao padrão local onde vivem.

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O diretor apenas levanta questões ao longo dos noventa e oito minutos de filme. É como se não quisesse ou tivesse poder de interferir nos fatos que ali ocorrem, sendo espectador de sua própria obra, deixando no colo de quem assiste resolver dentro de si os conflitos expostos. Além disso, parece ter dificuldades em trabalhar com certas cenas, fazendo com que o filme perca ritmo e continuidade.

O Amor é Estranho é todo permeado pela hipocrisia que nos habita, ficando bem claro que tudo é muito bom, aceitável e inspirador, se o problema não está oficializado ou dentro de sua casa. Vemos isso quando Ben toma parte em um conflito envolvendo a família do seu sobrinho que começa a desconfiar e implicar com a amizade de seu filho Joey com um amigo. Interessante notar que mesmo com toda a aceitação acerca da orientação sexual de Ben, quando se trata da sexualidade de seu filho, a coisa muda de figura. Prevalece a aceitação como uma prática adotada da porta pra fora.

Temos um longa disposto a pincelar os problemas sem discutí-los. Se essa tiver sido a proposta, conseguiram ilustrar o quão pesaroso e desgastante pode ser o convívio entre os seres humanos, envelhecer em nosso sistema social, além da demonstração do quanto ainda a sexualidade é tida como uma questão penosa a ser resolvida e, por isso, primeiro não é desejável e segundo deve ser deixado do lado de fora de nossas casas.

BEM NA FITA: o delinear o comportamento humano perante às adversidades e desafios que a vida colocou diante dos personagens, o ótimo desempenho da dupla de atores Alfred Molina e John Lithgow.

QUEIMOU O FILME: o roteiro também tem pontos fracos como a perda de ritmo e continuidade, explicações desnecessárias de situações passadas que já tinham sido entendidas e exemplificadas.

TRAILER

FICHA TÉCNICA

Título Original: Love is strange
Diretor: Ira Sachs
Roteiro: Ira Sachs e Mauricio Zacharias
Elenco: Alfred Molina, John Lithgow, Marisa Tomei
Gênero: Drama
Duração: 98 minutos
País: Estados Unidos
Ano: 2014
Classificação: 12 anos

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN